Francisco Iglésias: historiador
humanista
José Eduardo de Oliveira *
Em dezembro
de 1998, ao manusear o Suplemento Literário de Minas Gerais, fui tomado de um
espanto, quando li: “Arquivo: Homenagem a Francisco Iglésias”. “Não acredito -
pensei - Iglésias morreu?” Não. Felizmente, ele estava vivo. Era apenas mais
uma homenagem, dessa vez do historiador mineiro, João Antônio de Paula, ao
“...mestre desses tempos presentes, tão bicudos, a reafirmação de certa força
da alma mineira, a certeza de que nem tudo está para o pior, que seu exemplo
nos ilumina”. João Antônio de Paula, não foi o único, como tantos outros, que
não se envergonharam de homenagear o mestre Iglésias. Homenagens,
reconhecimentos e até culto, prestados em vida, não foram bajulações ou encômios
hipócritas ao grande historiador mineiro. Todos justos. Não que ele, em toda
sua longa e prolífera vida de estudioso de história, literatura, economia e
política, precisasse ou buscasse essas tão efêmeras e às vezes nocivas
manifestações acadêmicas e sociais. Agora como nunca, Francisco Iglésias, não
precisa mais de louvaminhas. Francisco Iglésias faleceu no último dia 21 de
fevereiro. Se seu exemplo nos iluminava, agora sua obra nos ilumina e nos
mostra, como sempre fazia, caminhos, nem sempre os mais fáceis, mas os mais
longos e difíceis. Caminhos fecundos, os abertos pelo “mestre Francisco
Iglésias”.
Francisco
Iglésias nasceu em Pirapora, Minas Gerais, em 1923. Não teve filhos, quase um
celibatário, quase porque se casou, viveu e no mesmo lar com Clio, a musa da
História. Primeiro como estudante, professor e depois historiador.
Mestre de
gerações, Iglésias não permaneceu apenas no reduto de seu “departamento
universitário”, ministrava palestras, resenhava livros, trocava idéias e
experiências com amigos, colegas universitários e alunos. Era um intelectual
que não só levantou e resolveu questões na historiografia, sobretudo mineira,
como também buscou resolver ou problematizar as que foram suscitadas pelos seus
interlocutores. Nós mesmos tivemos o prazer de algumas vezes ouvir suas sábias,
sóbrias e agradáveis palavras e ensinamentos. Quando discorria sobre Minas
Gerais, ele tinha o dom de não só nos transportar para o nosso passado, mas
também de fazer-nos compreendê-lo e relacioná-lo com os nossos problemas
atuais.
Alguns
professores e ex-alunos (agora professores) ainda se lembram de quando
Francisco Iglésias esteve aqui em Patos de Minas, em outubro de 1985 e proferiu
palestra no “Colégio das Irmãs”. Ele era assim, era só convidar que ele vinha.
Ou ia, como aconteceu, quando foi convidado pela UNESCO, em 1979, para
participar do projeto que reescreveria a História da Humanidade.
Para o poeta
e ensaísta Affonso Ávila, “Iglésias foi um humanista, uma qualidade de
intelectual hoje quase em extinção”. Para nós, um historiador humanista, no
sentido de que o humano vem primeiro. Iglésias mesmo, nos disse que: “Pede-se muito, pois não basta levantar
com todo cuidado o terreno, mas é preciso retratar pessoas vivas, com toda
ânsia de afirmação, de poder, de amor.” (Gazeta Mercantil. 3, 4 e 5/05/1996.
p. 5 -Caderno Especial)
Bosquejo
da obra
Francisco
Iglésias, desde o início de sua carreira, sempre esteve ligado à instituição
universitária, inclusive seu primeiro livro. Política econômica do governo
provincial mineiro (1835-1889), publicado em 1958, foi o resultado de
sua tese apresentada junto à Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade
de Minas Gerais, atual Universidade Federal de Minas Gerais, onde ele se
diplomou em Geografia e História em 1945, e se tornaria livre-docente e mais
tarde professor emérito. Em 1959, publicou Introdução à historiografia econômica,
estudo precursor nesta área, em Minas Gerais. Depois viriam: Periodização do processo
industrial no Brasil (1963); História e Ideologia (1971); Breve
história econômica de Minas Gerais (1972); La história econômica en América
Latina (México - 1972); A revolução industrial (1981); Caio
Prado Júnior (1982); A industrialização brasileira
(1985); Três séculos de Minas (1985); Constituintes e constituições
brasileiras (1985) e Trajetória política do Brasil (1500-1964)
de 1993. Iglésias, também, sem vulgarizar o conhecimento histórico, publicou
dois “manuais” de História: História para o vestibular e cursos de 2º
grau (1973) e História Moderna e Contemporânea (1975).
Dele igualmente são dois estudos fundamentais sobre o século XIX, incluídos na
História Geral da Civilização Brasileira, de Sérgio Buarque de Holanda (Org.): Minas
Gerais e Vida Política (1848-68), de 64 e 67.
Como já nos
referimos acima, Iglésias não só participava de congressos, palestras e
conferências, mas também escrevia artigos para periódicos especializados ou não
em História, dentre os quais destacamos: Periodização da história de Minas
(Revista Brasileira de Estudos Políticos-UFMG, 1970) e Minas e a imposição do estado no
Brasil (Revista de História - USP, 1974). Além disso, ele não se
esquivava, e sempre que convidado, fazia prefácios e introduções que se
tornaram indispensáveis. Aqui, enumeraremos apenas alguns que já se tornaram
clássicos: Celso Furtado - Formação econômica do Brasil (UNB-1963); Lourival
Gomes Machado - Barroco mineiro (1969); Lúcio José dos Santos - História
de Minas Gerais e Inconfidência Mineira (1972); Diogo de Vasconcelos - História
antiga das Minas Gerais (1974) e José João Teixeira Coelho - Instrução para o
governo da capitania de Minas Gerais (1994).
* Professor
de História de Minas na UEMG-Patos de Minas
Publicado em:
Academus – Abril de 1999 –Patos de Minas – Ano III – nº 8 - FEPAM/UEMG - p. 9.
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