quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Francisco Iglésias: historiador humanista



Francisco Iglésias: historiador humanista


José Eduardo de Oliveira *


Em dezembro de 1998, ao manusear o Suplemento Literário de Minas Gerais, fui tomado de um espanto, quando li: “Arquivo: Homenagem a Francisco Iglésias”. “Não acredito - pensei - Iglésias morreu?” Não. Felizmente, ele estava vivo. Era apenas mais uma homenagem, dessa vez do historiador mineiro, João Antônio de Paula, ao “...mestre desses tempos presentes, tão bicudos, a reafirmação de certa força da alma mineira, a certeza de que nem tudo está para o pior, que seu exemplo nos ilumina”. João Antônio de Paula, não foi o único, como tantos outros, que não se envergonharam de homenagear o mestre Iglésias. Homenagens, reconhecimentos e até culto, prestados em vida, não foram bajulações ou encômios hipócritas ao grande historiador mineiro. Todos justos. Não que ele, em toda sua longa e prolífera vida de estudioso de história, literatura, economia e política, precisasse ou buscasse essas tão efêmeras e às vezes nocivas manifestações acadêmicas e sociais. Agora como nunca, Francisco Iglésias, não precisa mais de louvaminhas. Francisco Iglésias faleceu no último dia 21 de fevereiro. Se seu exemplo nos iluminava, agora sua obra nos ilumina e nos mostra, como sempre fazia, caminhos, nem sempre os mais fáceis, mas os mais longos e difíceis. Caminhos fecundos, os abertos pelo “mestre Francisco Iglésias”.
Francisco Iglésias nasceu em Pirapora, Minas Gerais, em 1923. Não teve filhos, quase um celibatário, quase porque se casou, viveu e no mesmo lar com Clio, a musa da História. Primeiro como estudante, professor e depois historiador.
Mestre de gerações, Iglésias não permaneceu apenas no reduto de seu “departamento universitário”, ministrava palestras, resenhava livros, trocava idéias e experiências com amigos, colegas universitários e alunos. Era um intelectual que não só levantou e resolveu questões na historiografia, sobretudo mineira, como também buscou resolver ou problematizar as que foram suscitadas pelos seus interlocutores. Nós mesmos tivemos o prazer de algumas vezes ouvir suas sábias, sóbrias e agradáveis palavras e ensinamentos. Quando discorria sobre Minas Gerais, ele tinha o dom de não só nos transportar para o nosso passado, mas também de fazer-nos compreendê-lo e relacioná-lo com os nossos problemas atuais.
Alguns professores e ex-alunos (agora professores) ainda se lembram de quando Francisco Iglésias esteve aqui em Patos de Minas, em outubro de 1985 e proferiu palestra no “Colégio das Irmãs”. Ele era assim, era só convidar que ele vinha. Ou ia, como aconteceu, quando foi convidado pela UNESCO, em 1979, para participar do projeto que reescreveria a História da Humanidade.
Para o poeta e ensaísta Affonso Ávila, “Iglésias foi um humanista, uma qualidade de intelectual hoje quase em extinção”. Para nós, um historiador humanista, no sentido de que o humano vem primeiro. Iglésias mesmo, nos disse  que: “Pede-se muito, pois não basta levantar com todo cuidado o terreno, mas é preciso retratar pessoas vivas, com toda ânsia de afirmação, de poder, de amor.” (Gazeta Mercantil. 3, 4 e 5/05/1996. p. 5 -Caderno Especial)

Bosquejo da obra

Francisco Iglésias, desde o início de sua carreira, sempre esteve ligado à instituição universitária, inclusive seu primeiro livro. Política econômica do governo provincial mineiro (1835-1889), publicado em 1958, foi o resultado de sua tese apresentada junto à Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, atual Universidade Federal de Minas Gerais, onde ele se diplomou em Geografia e História em 1945, e se tornaria livre-docente e mais tarde professor emérito. Em 1959, publicou Introdução à historiografia econômica, estudo precursor nesta área, em Minas Gerais. Depois viriam: Periodização do processo industrial no Brasil (1963); História e Ideologia (1971); Breve história econômica de Minas Gerais (1972); La história econômica en América Latina (México - 1972); A revolução industrial (1981); Caio Prado Júnior (1982); A industrialização brasileira (1985); Três séculos de Minas (1985); Constituintes e constituições brasileiras (1985) e Trajetória política do Brasil (1500-1964) de 1993. Iglésias, também, sem vulgarizar o conhecimento histórico, publicou dois “manuais” de História: História para o vestibular e cursos de 2º grau (1973) e História Moderna e Contemporânea (1975). Dele igualmente são dois estudos fundamentais sobre o século XIX, incluídos na História Geral da Civilização Brasileira, de Sérgio Buarque de Holanda (Org.): Minas Gerais e Vida Política (1848-68), de 64 e 67.
Como já nos referimos acima, Iglésias não só participava de congressos, palestras e conferências, mas também escrevia artigos para periódicos especializados ou não em História, dentre os quais destacamos: Periodização da história de Minas (Revista Brasileira de Estudos Políticos-UFMG, 1970) e Minas e a imposição do estado no Brasil (Revista de História - USP, 1974). Além disso, ele não se esquivava, e sempre que convidado, fazia prefácios e introduções que se tornaram indispensáveis. Aqui, enumeraremos apenas alguns que já se tornaram clássicos: Celso Furtado - Formação econômica do Brasil (UNB-1963); Lourival Gomes Machado - Barroco mineiro (1969); Lúcio José dos Santos - História de Minas Gerais e Inconfidência Mineira (1972); Diogo de Vasconcelos - História antiga das Minas Gerais (1974) e José João Teixeira Coelho - Instrução para o governo da capitania de Minas Gerais (1994).

* Professor de História de Minas na UEMG-Patos de Minas

Publicado em: Academus – Abril de 1999 –Patos de Minas – Ano III – nº 8 - FEPAM/UEMG - p. 9.

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