Adeus ao
professor John Russel-Wood
Memórias
que viraram corrubianas…
pARA
Do dia 17
a 19 de setembro de 2008, participei em Ouro Preto do Seminário Internacional
“Administrando impérios: Portugal e Brasil nos séculos XVIII e XIX”. Os
seminários, as palestras e os debates aconteceram no salão nobre da Escola de
Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto ali na Rua Costa Sena detrás do
Museu da Inconfidência. Apesar de ser setembro, garoava, tinha muita neblina e
fazia um frio danado. Todos os dias e noites foram assim, uma corrubiana cobria
as ruas, as coisas e os homens. À noite essa corrubiana se misturava com a
mesma noite e com o álcool e a cidade e tudo o mais se transformavam em
oníricas telas do pintor Alberto da Veiga Guignard…
Naquela
manhã fria do dia 17, a conferência de abertura, “A base moral e ética do
Governo Local no Atlântico Luso-Brasileiro durante do Antigo Regime”, fora
proferida pelo historiador brasilianista inglês Anthony John R. Russell-Wood.
Russell-Wood
ao lado de Charles R. Boxer são considerados os mais importantes brasilianistas
ingleses precursores nos estudos sobre o Império colonial português e do Brasil
colonial.
O
seminário contava com outros importantes historiadores brasileiros e portugueses,
mas o nome de A. J. R. Russell-Wood era sem dúvida nenhuma o maior destaque do
evento.
Antes da
composição da mesa e da abertura do seminário, um pouco receoso e um tanto
atrevido dirigi-me ao Prof. Russell-Wood, cumprimentei-o, apresentei-me e pedi
que ele autografasse para mim o livro de sua autoria, “Escravos e libertos no
Brasil colonial”. Enquanto isso eu fazia o mesmo, com o livro “Uma história de
exercício da democracia: 140 anos do Legislativo Patense” em que sou
coautor. Um tanto nervoso, não me recordo hoje o que escrevi na
dedicatória. Ele escreveu o seguinte: “Ao Eduardo, companheiro de viagem no
percurso da história, abraço cordialmente. John R. Russell-W. 17 de Setembro de
2008”.
O seu
livro havia sido publicado em 1982 e só em 2005 havia sido traduzido no Brasil.
Eu disse para ele que achava aquilo um absurdo e que a maioria de seus livros e
artigos ainda não foram traduzidos aqui. Ele concordou. Disse também que outro
livro dele “Fidalgos e Filantropos” sobre a Santa Casa de Misericórdia de
Salvador, traduzido e publicado pela UNB em 1981, se encontrava esgotado há
muito tempo. Ele riu e disse que há algum tempo esteve na UNB e encontrou a
publicação sendo vendida num sebo a dois reais e ele aproveitou e comprou um
exemplar. Eu disse que isso era comum no Brasil e que como ele sabia
outro importante livro de seu conterrâneo, Charles R. Boxer, “A idade de ouro
no Brasil”, havia tido sua última publicação no Brasil em 1969 e só em 2000
fariam nova edição.
E aí eu
já estava muito empolgado e incentivado pela minha “falta de conhecimentos” e
já que falamos de Boxer, dei a maior bobeira da manhã ao perguntar se Charles
Boxer tinha sido mesmo espião conforme alguns falavam. Russell-Wood mudou de
expressão e disse uma coisa que não me lembro bem, mas só tem um sentido em
português: “aquilo era uma ignorância total sobre Boxer”. Aí eu enfiei
minha viola no saco e piquei a mula. O que eu sabia mesmo era que Boxer
além ter sido seu mestre foi um de seus inspiradores nos estudos brasileiros. Sua conferência, “A
base moral e ética do governo local no Atlântico luso-brasileiro durante o
Antigo Regime”, foi excepcional e somente em 2012, ela e a dos outros historiadores do
Seminário, foram publicadas no livro, “Administrando impérios; Portugal e Brasil nos séculos XVIII e
XIX”, organizados pelos historiadores, Andréa Lisly Gonçalves, Cláudia Maria
das Graças chaves e Renato Pinto Venâncio. E também, em 2014, Ângela Domingues
e Denise A. Soares de Moura, publicaram “História do Atlântico português” uma
importante coletânea de ensaios e artigos de Russell-Wood.
À noite
quando eu e meu bando vindos de uma pousada que ficava perto da Mercês de
Baixo, ao atravessarmos o adro da Igreja São Francisco de Assis,
deparamo-nos no passeio do Largo do Coimbra, aquele que durante o dia tem
artesanato, em meio à chuva fria e a corrubiana, um vulto singular de
guarda-chuvas, ali estático olhando a cidade enevoada e que era nada mais nada
menos John Russell-Wood, esperando a sua comitiva, dizendo que ainda naquela
noite ia beber umas caipirinhas.
Despedimo-nos
e antes de virarmos na Rua do Ouvidor rumo ao Bar das Coxinhas na Rua Direita,
ainda pudemos vislumbrar o grande Russell-Wood, ali como um fantasma de algum
administrador reinol, ou quem sabe como um anjo esculpido pelo Aleijadinho em
esteatita negra cujos indefectíveis cabelos brancos foram pintados por Manoel
da Costa Ataíde. Depois nós e ele, ele e nós desaparecemos na corrubiana
espessa como minha ignorância…
J. R. RUSSEL-WOOD *1939+2010
Em julho
de 2010, ao recordar-me deste Seminário Internacional que acontecera em Ouro
Preto, lembrei-me daqueles episódios que descrevi acima e não sei porque
motivos resolvi descrever o que ocorrera e remeter para o e-mail do Prof.
Russell-Wood na Universidade John Hopkins, Baltimore – Maryland nos Estados
Unidos. A internet nos permite certas ingênuas veleidades. Jamais pensava em
obter uma resposta.
No
entanto ela chegou também via internet, na manhã fria e sem corrubianas do dia
17 de um agosto empoeirado e feio: “Dear Colleagues and Friends, It is with
deep sadness and regret that I write to inform you of the passing of Dr.
Anthony John R. Russell-Wood on August 13, 2010.” Que depois de passado no
Google tradutor, lamentavelmente ficou assim, para sempre: “Caros Colegas e
Amigos, É com profunda tristeza e pesar que eu escrevo para informá-lo da
passagem do Dr. Anthony John R. Russell-Wood a 13 de agosto de 2010.”
Este
inglês que morava nos Estados Unidos, escreveu inúmeros livros e artigos e como
já dissemos a maioria ainda não foram traduzidos no Brasil, entretanto, além
dos que já citamos dele “Fidalgos e Filantropos; a Santa Casa de Misericórdia
da Bahia, 1550-1755” (1968) e “Escravos e libertos no Brasil colonial” (1982),
dentre outros textos traduzidos e que foram e ainda são de fundamental
importância para que possamos entender nosso passado colonial estão o livro,
“Um mundo em movimento; Os portugueses na África, Ásia e América (1415‑1808)”
(1993), e os artigos “Manuel Francisco Lisboa; A Craftsman of the Golden Age of
Brazil (Universidade Federal de Um artesão da Idade do Ouro do Brasil” (1968);
“Centros e Periferias no Mundo Luso-Brasileiro, 1500-1808” (1997).
Na fria
mensagem da Universidade John Hopkins, também estava escrito: “John
Russell-Wood, deixa esposa, Hannelore Russell-Wood, os filhos Christopher,
Karsten e os netos Isabelle, Elisabeth, Karrigan e Haviland”.
Este amante
da História e do Brasil, sobretudo das Histórias das Minas Gerais
setecentistas, possivelmente deixou expresso em seu testamento que: “Em vez de
flores, contribuições podem ser feitas aos amigos da Johns Hopkins Biblioteca”.
Descanse
em paz velho John, a História do Brasil e de Minas Gerais são suas tributárias.
Publicado
no semanário, Folha Patense, Patos de Minas, 28.08.2010, p. 19, e revisto e
atualizado em junho/2018 e republicado in:
OURO PRETO CULTURAL.
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