segunda-feira, 22 de abril de 2019

PROJETO- Guia de Ouro Preto 80 anos


PROJETO- Guia de Ouro Preto 80 anos



Primeira edição de 1938



“Em Ouro Preto só quem não bebe é sino, porque está de boca para baixo”
Antigo ditado popular da cidade

“Se perguntarem: Que mais queres,

Além de versos e mulheres?...

- Vinho! ...o vinho que é o meu fraco!..

Evoé Baco!”

Manuel Bandeira – Bacanal.

“Para os fantasmas de Villa Rica que ainda habitam lá e para um fantasma que rondou aquelas ruas, becos, adros, bares e templos espectrais e incensados de êxtases  e que lá ainda permanece ali, ora como uma  doce corrubiana e às vezes como uma terrível maldição.” Jaeroa 

RASCUNHO DE UMA INTRODUÇÃO AO GUIA DE OURO PRETO

A primeira vez que vi a cidade de Ouro Preto eu não tinha ido visitá-la. Apenas passei por ela na ida e na volta de uma excursão estudantil que fomos fazer na cidade de Mariana. Foi no final de minha adolescência e eu ainda estudava no SENAC-BH (1970-1972), na Rua Tupinambás, éramos todos adolescentes trabalhadores no comércio de Belo Horizonte. Nenhuma recordação de quem organizou a viagem, quantos alunos e alunas foram. E me recordo muito pouco de quem foi.

Não me recordo de ter visitado nenhuma igreja ou museu em Mariana. Lembro-me que mal saímos da Praça Gomes Freire e o seu coreto. Ficamos deslumbrados com aquela cidadezinha “velha”, mas não entediamos porque. E ainda que em algum momento atravessamos uma ponte, passamos pela antiga estação ferroviária e a rodoviária e rumamos para a saída da cidade em direção àquelas estradas que davam acesso a Camargos, Bento Rodrigues, Catas Altas etc. E lá tinham umas lagoas onde nadamos. Na época não sabíamos que elas foram formadas pela água da chuva em antigas escavações de mineradores em busca de ouro.

Mas dessa viagem o que me causou uma estranha impressão e um sentimento de curiosidade foi a visão daquela cidade que estava “no meio do caminho”, enevoada e misteriosa: Ouro Preto.

Naquele tempo e ainda na década de 1980, era permitido em Ouro Preto o trânsito de transporte coletivo de grande porte através da cidade - ônibus de linha intermunicipal e interestadual -, e após embarque e desembarque na antiga rodoviária que ficava no mesmo local que a nova de hoje, os ônibus seguiam pela Rua Padre Rolim, passando pela Praça Tiradentes contornando o Palácio dos Governadores, pegando a Rua Barão de Camargos e depois a Rua Conselheiro Quintiliano (antigo caminho das Lages) até sair da cidade rumo a Mariana e outras infinitas paragens e destinos.

Foi desse antigo caminho das Lages que avistei a antiga Vila Rica pela primeira e magnífica vez. Não sei se estava dormindo e acordei e vi a cidade ou se estava acordado e pensei que sonhava. Só me recordo da emoção de ver aquela cidade diferente de tudo que já havia visto e que aos poucos ficava para trás na neblina entre montanhas. Foi inesquecível.


Igreja São Francisco de Paula num crepúsculo de 2017 – Foto do Autor

Na volta passando pelas mesmas ruas, ao entardecer, a impressão foi ainda mais comovente e inolvidável. O sol poente transformou a Igreja São Francisco de Paula em uma poderosa e brilhante silhueta. A Igreja de Nossa Senhora do Carmo e o Museu dos Inconfidentes e a Praça Tiradentes se transformaram em fantasmagóricos monumentos crepusculares onde luminárias faiscavam no casario e pelas vielas como se fossem imensas e estáticas procissões.

É claro que já tinha ouvido falar de Ouro Preto, Mariana, Congonhas e outras tantas cidades históricas mineiras. Além de minha mãe ter sido “professora do primário” diplomada na “Escola Normal de Patos de Minas”,  durante toda minha vida escolar desde o primeiro ano de grupo, tive referências a estas cidades. A “Conjuração Mineira”, Tiradentes, o Aleijadinho, Filipe dos Santos, Marília de Dirceu,  Bárbara Bela, Chica da Silva. Os bandeirantes e o ouro das Minas que era extraído por escravos em minas que às vezes desabavam matando todos os mineradores. O barroco mineiro.

O meu imaginário infantil e juvenil sobre o passado e a História de Minas, sempre foi adubado por minha mãe Petrina, minhas professoras e alguns livros como “Vamos conhecer Minas Gerais”, de Leonilda S. Montandon e “Estudos Sociais; Minas Gerais”, de Silveira Neto.

Meu coração, minha visão e o meu cérebro nunca mais foram os mesmos depois daquele acontecimento aparentemente tão corriqueiro.

Depois, nos anos seguintes visitaria aquela cidade incontáveis vezes. E todas elas foram como se fosse a primeira vez. Cada viagem me trazia novas aventuras e descobertas e uma promessa de que voltaria novamente. As experiências humanas com outros seres humanos naquela cidade foram humanas demais, poéticas demais, oníricas demais...e parafraseando Guimarães Rosa, “Ouro Preto é minha neblina”: “Ouro Preto é minha corrubiana”: “Ouro Preto é minha bruma”. E meu ocaso?

A primeira vez que voltei e agora para visitar de fato a cidade foi em outra excursão só que não foram com estudantes e sim com os amigos do Bairro João Pinheiro de Belo Horizonte cujo centro de referência era Rua Maria Lucinda onde eu morava. Desta vez visitei igrejas e museus. E inúmeras outras vezes cujos detalhes ficarão para outra ocasião. Inclusive no adro enevoado, escuro e frio da Igreja São Francisco de Paula, beijei febril uma de minhas amigas daquela excursão, que desapareceu depois no tempo e naquela neblina mística.  Foi o meu primeiro beijo naquela cidade dos poetas...e dos amores perdidos para sempre...para todo o sempre...

Estas viagens às vezes aconteciam de sábado para domingo - como a dos meus vizinhos da Rua Maria Lucinda -, ou saíamos domingo de manhã e retornávamos à noite. Era sempre assim, viagens de um dia ou de um dia para o outro sem pernoitar em nenhuma pousada agendada, preferencialmente na “Sexta-Feira Santa” ou no “21 de abril”.

Quando viajava com alguns poucos amigos, recordo-me que uma vez dormi no adro da Igreja Nossa Senhora do Carmo tendo como teto um relento enevoado, frio, mas acolhedor, também sob um palanque armado na Praça Tiradentes, numa república da Rua Paraná, outra perto da Igreja Nossa Senhora do Pilar, uma vez também ao mesmo relento, só que na Cachoeira das Andorinhas. Até no Camping Clube arranchei uma vez. Ressalto estes pernoites improvisados, porque uma coisa que me chamou bastante a atenção, apesar de muitas festas e eventos, foi a tranquilidade da cidade e a hospitalidade dos ouro-pretanos os nativos e dos estudantes alienígenas naquela época.

Nesta mesma época conheci também Congonhas, Sabará, Santa Luzia e Diamantina.  Depois Serro, São João del´Rei, Tiradentes, Brumal, Catas Altas, Santa Bárbara, Barão de Cocais, Paracatu, Desemboque e muitos distritos perdidos entres as brenhas e as marcas que os antigos homens e mulheres deixaram pelo passado. “Cidades barrocas do ciclo do ouro...” Mas nenhuma delas me fascinou tanto quanto Ouro Preto. Estas cidades foram para mim como uma namorada ou outra que me deram a dádiva de suas presenças nelas mesmas e jamais fizeram concorrência a minha verdadeira esposa e amante, uma cidade parda, misteriosa e miscigenada como a antiga Vila Rica.  Talvez, quando Ouro Preto se cansar de mim ou eu dela eu procure ou Mariana ou Diamantina, que também amo em segredo. E o que Bertolt Brecht diz em seu poema “Do pobre B.B.”, “Destas cidades só vai restar o que passa através delas: o vento!”, não serve para Ouro Preto, como não serviu para Vila Rica. Tudo resta ali! Mesmo com toda aquela "frialdade inorgânica" e que chega a ser lúbrica de tão úmida.

Pode-se amar uma cidade como se ama uma mulher? As cidades não passam de amontoados de homens e mulheres que a centenas e centenas de anos fugiram da natureza, do sol escaldante, da chuva, das noites escuras ou com estrelas e o luar, apenas para se sentirem seguros e perto uns dos outros e depois para dominarem uns aos outros.

As cidades foram construídas de terra bruta, vegetais, argamassa, pedras, tijolos, depois concreto armado e sonhos.  Ouro Preto começou com o barro e o capim quando os europeus sedentos e famintos de ouro fizeram os primeiros abrigos inspirados nos indígenas – que também como a natureza foram quase que totalmente destruídos - e nos afrodescendentes escravos ou livres, depois vieram as casas de morada, os sobrados com suas senzalas úmidas, quase um subsolo desumano, a casa de câmara e cadeia com seus códigos de posturas e imposturas e as capelas com seus santos, santas e querubins de pau-a-pique, adobe e pedras construídas pelos mineiros de todas as nacionalidades e faiscadores de ouro e construtores das primeiras casas nas ruas sem calçamento e sem lei.

Depois essas casas e templos religiosos viraram vilas, cidades história e histórias. Hoje são lugares de tantas coisas, mas as “cidades históricas” - todas cidades são históricas, mas estas estão históricas demais - são onde moram pessoas normais, entretanto estão povoadas de passado, magia e fantasmas. Conspirações. E memórias indeléveis. E os visitantes, turistas ou não, por curiosidade ou em busca de conhecimentos para várias finalidades precisam saber mais sobre aqueles templos, aquelas casas, aquelas ruas e as pessoas que ali moraram, viveram e morreram. E é aí que entram os guias turísticos para revelar seus segredos, sua intimidade, sua história e seus mistérios.

A princípio nenhuma cidade precisa de um guia e cabe a cada um desvelar os íntimos mais recônditos de seus segredos, no entanto quando o mistério termina começa a sede de conhecimento e aí entram os guias das cidades, dos lugares e a sede nunca mais será saciada.

Assim aconteceu comigo e as cidades históricas e entre uma viagem e outra acabei adquirindo ou lendo alguns guias turísticos sobre estas “cidades do ciclo do ouro”, principalmente sobre Ouro Preto. E um desses que gostei muito foi o “Guia de Ouro Preto” de Manuel Bandeira - talvez porque ele fosse poeta -, que comprei quando já morava na cidade e por incrível que pareça este meu precioso livro, uma edição de bolso da “Edições de Ouro” de 1967, a mais singela de todas, desapareceu quando voltei para Patos de Minas cidade onde nasci. Voltei depois – por ironia do destino ou vontade própria -, de morar em Ouro Preto por cerca de cinco anos.

Aconteceu que quando morava em Belo Horizonte, um dia ao ler o jornal “Estado de Minas” deparei-me com um edital sobre o vestibular para a Universidade Federal de Ouro Preto-UFOP., inscrevi-me e fui aprovado para o Curso de História, que ficava em Mariana, para onde no inicio do ano de 1982, mudei de “mala e cuia” e onde morei um mês e meio, no Hotel Providência, depois fui morar em Ouro Preto, numa pousada na Rua Getúlio Vargas, 10, até dezembro de 1986.(A pousada chamava-se Pousada JJ, depois mudou de dono e de nome e passou a chamar-se Pousada Tropicalha, hoje é uma República estudantil ou sei lá o quê!) E após licenciar-me em História retornei a Patos de Minas. E nessa mudança ou depois dela o meu precioso “Guia de Ouro Preto” desapareceu.

Assim voltei a morar em Patos de Minas e só retornaria a Ouro Preto dez  anos depois, em 1996. E novamente,  através de Mariana, onde participei de 6 a 9 de novembro deste ano do “Seminário Minas Gerais: 300 anos”, promovido pelo Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto. Revi amigos e amigas, ex-professores e as cidades de Mariana onde me hospedei, e Ouro Preto onde nos intervalos para o almoço fazia questão de ir almoçar e à noite por pelo menos uma vez revi-a em toda sua plenitude noturna.

Depois só retornaria em 2001 e 2002. E a partir de 2006 estive em Ouro Preto e Mariana, todos os anos até 2019.  As “desculpas” para rever aquelas plagas e matar a saudade, eram congressos e seminários de História promovidos pela Universidade Federal de Ouro Preto, alguns projetos de pesquisa bem ou malsucedidos, ou então viagens com estudantes e professores em que eu ia como guia turístico.

Neste ínterim, morei de 1991 a 1993, em Uberaba e lá comprei a que seria a sétima edição de um total de dez, desse precioso livrinho que completou 80 anos em 2018.

No dia 1º de agosto de 2007 o meu amigo Kiko e sua esposa Nilza, donos de um sebo em Patos de Minas, me deram de presente de aniversário a primeira edição de 1938 do “Guia de Ouro Preto” com a seguinte dedicatória barroca: “Ao prof. Paletó (Dudu) esfuziante, cheio de energia egrégio e incansável saciador de mentes jovens sedentas de saber, nossos mais sinceros retumbantes e carinhosos votos de saúde, paz e prosperidade. Viva o Dudu...Amigos do Sebo Cultural. 01/08/2007.”

É sobre este guia que decidi pesquisar por livre e espontânea vontade e claro, com o incentivo de uma ou duas pessoas que no momento oportuno irei desvelar.

Durante as viagens nestes anos, surgiram várias indagações, curiosidades e perguntas sobre o Guia de Manuel Bandeira e a cidade de Ouro Preto. Algumas provavelmente não saberei responder outras não sei se responderei corretamente, mas foi isso que me propus  a  fazer a partir deste ano de 2017, mas que já questionando desde 2007 quando ganhei aquela primeira edição e fotografar desde 2016.

O que mudou naquelas imagens de 1938 desenhadas por Luís Jardim e Joanita Blank e nos relatos de Bandeira, se comparar os desenhos com as fotografias das ruas e casas e monumentos de hoje, oitenta anos depois? E na formação e no desenvolvimento da cidade nestas oito décadas? Em que circunstâncias e em que contexto histórico foi gestado e escrito o Guia?  Por que Manuel Bandeira, um pernambucano, escreveu o Guia, se haviam tantos mineiros à sua volta e talvez com a mesma competência? Como por exemplo Carlos Drummond de Andrade? E que fortuna crítica acumulou o Guia nestes oitenta anos e nas suas 9 edições? Não necessariamente nesta ordem.

A primeira impressão ou a primeira sensação de quem chega à antiga Vila Rica, descrita por tantos viajantes, é exatamente a que seria precedida por uma ânsia ou curiosidade do que irá encontrar. A imaginação precede a realidade. Cada um experimentará o encontro de forma diferente, obviamente.  Como todas as primeiras vezes de qualquer coisa.

Entretanto, todas as minhas vezes eram como se fossem a primeira...dependia com quem eu estava, se só,  com uma pessoa ou em grupo. Os motivos da viagem. E também se chegava de manhã, de tarde ou de noite. Se a cidade estivesse enevoada. Ou se chovia. Ou ao meio dia com o sol a pino.

Certa vez cheguei ao entardecer e embrenhei-me pela cidade saindo pela rodoviária à pé passando pelos fundos e depois pela ladeira da Igreja São Francisco de Paula, de cujo adro não podia ver nada além da corrubiana onde estava submersa a cidade e uma chuva fria e uma neblina espessa acariciavam minha face com um carinho rude. Estava quase noite e nem eram cinco horas da tarde e só aos poucos pude ir desvelando aquele templo imenso que deixei para trás descendo aquela ladeira íngreme como se estivesse penetrando num céu frio e molhado só que descendo rumo a um perau quase desconhecido, quase um inferno gelado...

 

Eram 5 horas da tarde e a corrubiana cobria o mundo todo  na São Francisco de Paula – Foto 2014- Foto Autoria ignorável.

 

VER: MANUEL BANDEIRA E O GUIA DE OURO PRETO 1938-2018

https://www.jornaldepatos.com.br/2020/11/manuel-bandeira-e-o-guia-de-ouro-preto.html





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 Assim, estou desenvolvendo às minhas expensas o PROJETO: Guia de Ouro de Manuel Bandeira - 80 anos - 1938-2018

LEIA PROJETO EM DESENVOLVIMENTO NO JORNAL DE PATOS:

https://www.jornaldepatos.com.br/2020/11/manuel-bandeira-e-o-guia-de-ouro-preto.html
 

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