Inphância
José Eduardo de Oliveira
Você se lembra? Acho que não, nem se
lembra de mim! Se lembrasse ia sorrir, um sorriso meio que idiota. E também não
deve se lembrar, quando disse que ia namorar comigo se eu passasse a ir nas
missas de domingo? E eu passei a ir. Inclusive na catequese, nós ali sentados
naquela calçada daquelas casas antigas de janelas grandes, sob a sombra matinal
daquela Catedral imensa como uma sentinela vigiando a avenida e os pecadores mirins
e os adultos da cidade que parecia não ter nenhum pecado... Ganhei até alguns
santinhos, mesmo assim eu nunca mais rezei. Eu ia mesmo era para prestar meu culto a ti, com aqueles
olhos claros, minha santinha: “Nossa Senhora dos Olhos Claros”. Fazedora de milagres, que transformou meus domingos
sem propósitos em domingos de missa e reza. Até numa procissão noturna eu fui,
só para ficar perto de seus olhos que mesmo à noite eles clareavam mais que
todas aquelas velas que, além disso, queimavam minha mão. Talvez por castigo de
tanta impiedade. Mas eu amava e amar não era uma espécie de fé em algum Deus
inexistente como aquela criaturinha magricela e catequista? Durante a semana,
depois da aula, ficava lá no Morrão do outro lado do córrego do Monjolo, olhava
sua casa na Rua dos Crentes para ver se você aparecia no quintal. Às vezes
aparecia e eu me escondia detrás daquela grande árvore. Eu tinha uns dez ou
onze anos e você provavelmente uns dez. E foi o meu primeiro amor que não deu
certo. Ou melhor, amor que deu certo, só que não fomos felizes para sempre. E
nunca seríamos. Até hoje. Depois fui embora para o beleleu das Alterosas e você
ficou em lugar nenhum e eu te esqueci uns vinte, trinta anos. Até hoje que tenho são esses fragmentos de memórias e
te vejo nas ruas dessa cidade esquisita e sem sal e não sei quem és e nem sei
quem sou! E é melhor assim.
Depois veio minha prima, com outros
olhos, os olhos da Teda Bara, eu acho. Que vi tomar banho de relance, nua como
uma aparição em sonho. Depois os primeiros e últimos beijos que nunca me lembro
quando foram. Os poemas escritos para namoradas que nunca me conheceram ou
conheceriam. E mais tarde ou mais cedo
namoradas, amigos e o álcool das festinhas e horas dançantes. E o mundo foi
perdendo o encanto e tudo se transformando em desencanto. Eu cada vez mais tímido, sonhador e na minha
cabeça eu estava louco ou enlouquecendo aos poucos ou todos sempre foram
loucos, meus pais, meus irmãos que pareciam existir em um universo paralelo ao
meu. Um universo distante. Apesar de tudo minha infância foi a melhor época da
minha vida...
sd
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