quarta-feira, 3 de abril de 2019

Inphância


Inphância

José Eduardo de Oliveira

Você se lembra? Acho que não, nem se lembra de mim! Se lembrasse ia sorrir, um sorriso meio que idiota. E também não deve se lembrar, quando disse que ia namorar comigo se eu passasse a ir nas missas de domingo? E eu passei a ir. Inclusive na catequese, nós ali sentados naquela calçada daquelas casas antigas de janelas grandes, sob a sombra matinal daquela Catedral imensa como uma sentinela vigiando a avenida e os pecadores mirins e os adultos da cidade que parecia não ter nenhum pecado... Ganhei até alguns santinhos, mesmo assim eu nunca mais rezei. Eu ia mesmo era  para prestar meu culto a ti, com aqueles olhos claros, minha santinha: “Nossa Senhora dos Olhos Claros”.  Fazedora de milagres, que transformou meus domingos sem propósitos em domingos de missa e reza. Até numa procissão noturna eu fui, só para ficar perto de seus olhos que mesmo à noite eles clareavam mais que todas aquelas velas que, além disso, queimavam minha mão. Talvez por castigo de tanta impiedade. Mas eu amava e amar não era uma espécie de fé em algum Deus inexistente como aquela criaturinha magricela e catequista? Durante a semana, depois da aula, ficava lá no Morrão do outro lado do córrego do Monjolo, olhava sua casa na Rua dos Crentes para ver se você aparecia no quintal. Às vezes aparecia e eu me escondia detrás daquela grande árvore. Eu tinha uns dez ou onze anos e você provavelmente uns dez. E foi o meu primeiro amor que não deu certo. Ou melhor, amor que deu certo, só que não fomos felizes para sempre. E nunca seríamos. Até hoje. Depois fui embora para o beleleu das Alterosas e você ficou em lugar nenhum e eu te esqueci uns vinte, trinta anos. Até hoje  que tenho são esses fragmentos de memórias e te vejo nas ruas dessa cidade esquisita e sem sal e não sei quem és e nem sei quem sou! E é melhor assim.
Depois veio minha prima, com outros olhos, os olhos da Teda Bara, eu acho. Que vi tomar banho de relance, nua como uma aparição em sonho. Depois os primeiros e últimos beijos que nunca me lembro quando foram. Os poemas escritos para namoradas que nunca me conheceram ou conheceriam.  E mais tarde ou mais cedo namoradas, amigos e o álcool das festinhas e horas dançantes. E o mundo foi perdendo o encanto e tudo se transformando em desencanto.  Eu cada vez mais tímido, sonhador e na minha cabeça eu estava louco ou enlouquecendo aos poucos ou todos sempre foram loucos, meus pais, meus irmãos que pareciam existir em um universo paralelo ao meu. Um universo distante. Apesar de tudo minha infância foi a melhor época da minha vida...

sd

Nenhum comentário:

Postar um comentário