José Eduardo de
Oliveira-Tôca
JOSÉ
ARNALDO COÊLHO DE AGUIAR LIMA,
TESTAMENTO PARA ATAÍDE
2014 - 2018
INTROITO
ONÍRICO/ETÍLICO
Cara, ainda estou atordoado com a morte do Zé
Arnaldo. Estava no Bar das Coxinhas (quando ele ainda era na Rua Direita, em
cuja placa estava estampado “Bar Barroco” e ainda consta este apodo lá na
Barra...) em Ouro Preto,
quando a filha da Marisa me contou, acabei de encher os cornos e no outro dia
estive em Mariana, não encontrei a Keka e aí fui para o Rancho rebater e
prantear, não necessariamente nesta ordem elíptica a mesma da S. Pedro dos
Clérigos de Mariana. Agosto é mesmo uma desgraça nua, por isso nasci nisso. Eu
também quero morrer em agosto...menos de desgosto...mas de porre e se possível
em Mariana ou Ouro Preto e em cima de uma mulher com as raças todas misturadas,
quero morrer emaranhado em uma mulher barroca-parda, arfante como a morte e
cheirosa como o inferno e a puta que o pariu...babando. Zé, até breve--- Sete patrimônios de Mariana: Ataíde, a Sé, a
São Francisco, a Casa de Câmara e Cadeia, a Rosário, o Ribeirão do Carmo e o Zé
Arnaldo... Mariana sem Zé Arnaldo desertificou-se (apesar de continuar bela e
cruel).... Ele me ensinou que a palavra barroco vem do bar-que-é-o-oco da
vida---quem o conheceu viveu e vive a
fragrância da curiosidade pela nossa cultura setecentista, oitocentista, nas
pedras, na esteatita, no cedro e no barulho das asas angelicais nos templos
povoados de fantasmas e a poeira das eras pias de antanho---o velho Guimarães Rosa escreveu que "a
gente morre para provar que viveu" e o Zé Arnaldo viveu e fez os “cabeças
de mogangas”, como eu, que eram seus alunos também experimentarem a história da
arte e a vida em Mariana, Ouro Preto, Catas Altas do Mato Dentro ...o sertão,
os peraus da noite barroca que agora virou noite profunda demais. “Evoé Baco!”
(Bandeira que o diga) Ele era o José, o
Arnaldo, o Coêlho, o Aguiar e o Lima, quando entrava em sala de aula, quando
estava no boteco e quando estava nas ruas “milenares” do Arraial do Ribeirão de
Nossa Senhora do Carmo e nas capelas e “catedrais imensas” das Minas Gerais...
Zé, dê um abraço forte no Alphonsus de Guimaraens e na Ismália, no Lázaro da
Filosofia, no Athayde, no Dom Oscar, no Conde de Assumar, no Bitão etc....a morte de José Arnaldo no
dia 10/08/13 foi a maior perda desde Lázaro. Ele foi o último grande mestre e
amigo daqueles dias insanos e fecundos. Iniciou-me de fato no barroco
marianense, ouro-pretano, brasileiro e mundial, me mostrou o vilipendiado
Bazin, o Hauser e a inacabada de Catas Altas. Prestei minhas homenagens a ele
no Rancho em Mariana e no Bar das Coxinhas de Ouro Preto e minha memória se
misturou à corrubiana da madrugada e aos espectros de Ataíde e Aleijadinho e o
Alferes insano e febril como nós. E apesar de não estar sozinho. E tudo ficou
tarde ainda que tardia. (escrito alguns dias depois daquele agosto quando o
barulho das teclas se misturaram com o barulho dos copos.)
O FIM DA HISTÓRIA, SÓ LADEIRAS
SEM DESCIDAS. OU NÃO?
Mas agora começando pelo fim. Foi mais ou menos assim: Numa daquelas
viagens que sempre faço como guia turístico de alunos e professoras de Patos de
Minas, mais pela desculpa de voltar a Ouro Preto e Mariana do que qualquer
outra coisa, aonde eu nunca vinha com eles e também nunca voltava, e ficava
para aproveitar mais a viagem, fui parar como sempre no Bar Barroco (o insólito
Bar das Coxinhas que frequento desde 1982).
E assim no dia 15 de agosto de 2013 eu já me encontrava em Ouro Preto, preparando
a vinda de alguns estudantes e de noite fui para aquele bar para procurar ou
espantar os meus fantasmas (que não são poucos) e encher a cornucópia. E lá,
depois de não sei quantas e a que horas e já falando pelos cotovelos acabei por
conversar com um jovem casal ali no meio daquela confusão toda. A menina dissera que a mãe dela também tinha
estudado História no ICHS (Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFOP).
Perguntei quem era ela e a resposta foi: Marisa! Então eu disse que conheci a mãe dela e que
fomos contemporâneos no curso e perguntei como ela estava e onde estava. A
resposta foi que ela tinha ido em uma missa de sétimo dia de um professor do
ICHS. Perguntei quem era e a resposta foi como um grito no meio da noite, um
grito dolente: “O ZÉ ARNALDO!” O álcool evaporou-se e a noite ficou mais
escura, fria e ameaçadoramente interminável.
No dia seguinte fui para Mariana, estive no ICHS, encontrei-me com o
Toninho (Antônio Calixto, se não me engano), funcionário do Instituto desde a
minha época, conversamos sobre o Zé Arnaldo, lamentamos a precocidade de sua
morte e muitas outras coisas. E ainda fotografei em uma das paredes um “Convite
de Missa de 7º dia”. Depois fui até a casa onde moravam ele e Josanne Guerra
Simões, a Keka do Zé Arnaldo, eterna musa, amante e esposa. Não havia ninguém!
Desolado só achei uma saída, fui para o Rancho, o restaurante onde Zé
Arnaldo às vezes bebia uns uísques e se encontrava com seus amigos. Queria ver se
encontrava algum amigo comum. Troquei uma ou duas palavras com o dono do
estabelecimento. Bebi alguma coisa e vi, sobre o balcão protegendo algumas
garrafas de vinho, como um anjo protetor o seu chapéu panamá. Eu sabia que ele
frequentava aquele bar/restaurante, mas nunca tive o prazer de encontrá-lo lá,
como já havia encontrado e bebido com o Professor José Sebastião Maia e outros
gaveteiros do Paraguay, e compartilhar de sua companhia e sua imensa
generosidade. Nunca mais. Despedi-me dele silenciosamente como um anjo que ouve
a “Ave Maria”. E antes de retornar para
Ouro Preto ainda encontrei-me com o José João, o JJ, que tinha sido dono da
pousada onde morei, depois ele vendeu e se mudou para Passagem de Mariana onde
mora até hoje, e disse ter procurado meu telefone para comunicar-me em Patos de
Minas o que havia acontecido no dia 10 de agosto. Depois procurei algum jornal
que trouxesse alguma coisa sobre o Zé e acabei encontrando, o “Ponto Final”
(ponto final mesmo!), que na página 7 estampava em negrito: “Morre professor da
UFOP”, uma despedida de seu amigo Adalgimar Gomes. E na mesma página, um poema
da nossa querida Hebe Rola, “No céu de Athayde”, que transcrevo:
“Zé Arnaldo/Plantou-se memória/Fertilizou-se
pólen/Floriu-se primavera/Pulverizou-se luz/Nas mentes/E corações gaveteiros/Excursionou/História
da Arte/Cantou nos coros das litanias/Para a Virgem do Carmo/E São Francisco de
Assis/Perpetuou-se saudade/Solidificou-se em brumas/Misturou-se com os anjos/e
arcanjos de Aleijadinho/Fez-se revoada/E voou célere/Para a policromia/Do céu
de Athayde/Que é isso, Zé! - Hebe Rolla, Professora e amiga.”
Eu queria ter ido à Missa de 7º dia, queria rever amigos,
ex-professores, ex-colegas e recordar José Arnaldo...e isso poderia ter
acontecido. Maldita máquina fotográfica ela grava por nós, olha por nós, lê por
nós. Mas não roga por nós! Explico: No ICHS, fotografei o convite da missa, mas
não li. Se tivesse lido eu teria ido à outra missa que aconteceu, mesmo que não
fosse rezar... Aliás, nas Minas Setecentistas era costume celebrar inúmeras
missas pela alma. Para o Zé foram duas missas de 7º dia e eu não sabia por que
não li o convite: “Keka e família agradecem as inúmeras manifestações de pesar,
solidariedade e carinho recebidas por ocasião de seu falecimento e convidam
para as missas que serão realizadas:
15/08/2013 – Capela do ICHS às 17h. 16/08/2013 – Sé de Mariana às 19h.” Só fui
ler isso quando já estava em Patos de Minas.
O INÍCIO DA HISTÓRIA, OURO
PRETO VIA BELO HORIZONTE RUMO A MARIANA
Conheci José Arnaldo antes que ele fosse meu professor de História da
Arte em Mariana, como numa
fotografia.
Sem conhecê-lo.
Em
Belo Horizonte,
de 28 de janeiro de 1980 a
1º de fevereiro participei do Curso “Artes Plásticas na América Latina”,
ministrado pelo Prof. Frederico de Morais, o curso aconteceu na Sala Humberto
Mauro no Palácio das Artes. Conhecia
algumas pessoas do Curso da Escola Guignard que eu havia começado e não
terminei e nestes dias de curso em um ou dois momentos vi José Arnaldo sem
vê-lo. Só fiquei sabendo disso quando já
era seu aluno e ele se se recordou de mim e eu dele. Como disse aquela velhinha
que tomava conta da Igreja São Francisco de Paula, possivelmente desde que ela
tinha sido ereta: “Um gambá cheira outro!” Talvez porque éramos os dois alunos
mais bizarros daquele curso e, como diria o Oswald de Andrade, “Filhos confusos
de confusos dramas da América Latina”. Eu confuso e o Zé Arnaldo com a mesma
aparência (estilo?) que conservaria por muitos anos: barba, cabelos compridos e
o indefectível macacão jeans Lee!
(Zé e uma aluna – foto 1 de 1985 - do Facebook ) E naquela época toda roupa jeans além de ser importada e cara era muito rara. Para se ter uma ideia, quando estudei no Colégio Dom Cabral em BH (ganhei uma bolsa de estudos), participei de um concurso de contos, ganhei com um poema e o prêmio que recebi foi uma calça jeans Lewis que era importada. Então como não se recordar daquela figura. Ou melhor, daquele macacão Lee? Teve uma outra ocasião em que quase fui seu aluno de verdade.
(Zé e uma aluna – foto 1 de 1985 - do Facebook ) E naquela época toda roupa jeans além de ser importada e cara era muito rara. Para se ter uma ideia, quando estudei no Colégio Dom Cabral em BH (ganhei uma bolsa de estudos), participei de um concurso de contos, ganhei com um poema e o prêmio que recebi foi uma calça jeans Lewis que era importada. Então como não se recordar daquela figura. Ou melhor, daquele macacão Lee? Teve uma outra ocasião em que quase fui seu aluno de verdade.
O SENAC de Belo Horizonte, na Rua Tupinambás, organizou de 23/11 a
27/11/81 o “Seminário sobre Arte Colonial e Imperial em Minas Gerais” e os
palestrantes seriam: Ivo Porto de Menezes (Arquitetura), Galileu Reis (Patrimônio
Histórico), José Arnaldo (Antônio Francisco Lisboa e sua obra), Teresio
Maldonado (Arquitetura rural) e Lauro Morais (Arte e Turismo em Mariana). E,
por incrível que pareça me recordo de quase todos neste evento, menos de José
Arnaldo. Ou foi neste curso que o conheci?
Ou eu não fui no dia ou ele? A memória. Como confiar na memória? Mas o que interessa é que de uma forma ou de
outra já o “conhecia”. No esquecimento da memória.
A HISTÓRIA DA ARTE DA ACADEMIA OU NA ACADEMIA:
O ICHS
Seria no primeiro semestre de 1983 que eu seria aluno do Professor José
Arnaldo Coêlho de Aguiar Lima, entretanto a greve geral deflagrada na UFOP
paralisou e engoliu todo o semestre.
Retomamos no segundo semestre e apesar de estar achando aquele curso
todo uma coisa muito esquisita, com uns professores e professoras mais
esquisitos ainda (imaginem o que eles pensavam de mim...), resolvi terminar
aquilo a ferro e a fogo e se necessário com muita cachaça ordinária! Já havia
desistido da Escola Guignard e de muitas outras coisas e mulheres. Já estava
com quase trinta anos e aquele seria o último cavalo da História que passava na
minha soleira e montei e agora seguiria em frente.
Em outro alfarrábio narro o drama ingente e às vezes
poéticos destes primeiros dias na academia, as aulas, os professores e
colegas...Mariana e Ouro Preto. Aqui ficarei dentro do possível com as aulas de
História Geral da Arte e o Zé nesse redemoinho todo no oco do mundo das minas.
Ainda guardo comigo a maioria dos planos de aulas dos professores e
eles foram datilografados e reproduzidos em mimeógrafos a álcool. Que
desperdício. O tempo quase os consumiu, mas hoje estão fotografados.
Em
seu Plano de
Curso José Arnaldo explicita seus objetivos: “Discutir as diferentes
manifestação artísticas que, de alguma forma, interferem nas manifestações
contemporâneas, mostrando o desenvolvimento das artes plásticas, arquitetura e
música como expressões culturais do ambiente histórico, econômico, social e
político de cada época.” E seu plano ia da “Antiguidade Clássica” até às
“Tendências da Arte Moderna.”
Na primeira aula, após as apresentações de praxe e o reconhecimento que
nós já nos conhecíamos de vista lá em BH., ele apresentou sua bibliografia, 21
títulos e sublinhou três autores e obras na ordem alfabética: 1) “Germain
Bazin, História da Arte: da pré-história aos nossos dias”; 2) E. H. Gombrich, “A
História da Arte” e 3) Arnold Hauser, “Historia social de la literatura y el
arte”. Com o passar do tempo adquiri todos os três “manuais” (este último em
português) e ainda os possuo e outras obras. Eu me considerava “meio
analfabeto” em quase tudo, assim sempre que podia e contando com a
condescendência de algumas pessoas (namorada- Nádia, pais -Nery e Petrina-, irmãos
e amigos) sempre que podia eu comprava era o livro e ao invés de ler o capítulo
recomendado, lia era a obra toda ainda que muito mal. Sem contar, um pequeno
livro que nos auxiliou muito no nosso calvário da História da Arte que foi “O
que é Arte” de Jorge Coli, editado em 1981.
E nunca me esqueci de três coisas destes primórdios. A primeira delas, foi o didatismo do
Professor José Arnaldo. Ele procurava explicar os termos e os conceitos como se
nenhum aluno soubesse nada daquele assunto. O que não deixava de ser uma
verdade! Alguns termos ficaram na minha
memória e ele os pronunciava com vigor como se quisesse que tocássemos nos
elementos: “iconografia”, “retábulo”, “pictórico”, “frontispício”, “salomônica”,
“atributos da Virgem Maria”.... A segunda foi a sua tentativa de nos enveredar,
nos iniciar na “historiografia da História da Arte” e para isso nos solicitou
que lêssemos e estudássemos o último capitulo, a “Conclusão” do livro de
Germain Bazin. Muitos colegas e eu mesmo
achei gozado ler a conclusão do livro. Só depois entendi. Se era uma disciplina
de “História da Arte” deveríamos conhecer ou começar a conhecer como aquela
matéria foi compreendia por alguns autores e chegou até aos nossos dias. Bazin nos cita, Vasari, von Mander, Croce,
Taine, Mâle, Dvorák, Strzygowski, Riegl, Wölfflin, Faure, Focillon, Huinziga,
Hegel, Panofsky dentre outros. Foi um
verdadeiro nó cerebral tantas teorias e nomes. Mas nó necessário. A terceira,
foi uma observação ainda sobre o livro de Bazin: “É um dos poucos historiadores
estrangeiros da arte que estudou e faz menção à arte brasileira, sobretudo à arte
mineira, o barroco mineiro e ao Aleijadinho.” Páginas 283 e 284. E até hoje, no
século XXI, sem exagerar, a questão permanece. A única arte brasileira lembrada
e cultuada pelos estrangeiros são as coletivas, imensos e patéticos murais
nacionais: o futebol e o carnaval. Sem contar a “arte de furtar”, que uns juram
que foi trazida por Cabral e outros dizem que aprenderam com um tal de
Maquiavel...
De alguma forma eu não era nenhum neófito em artes plásticas e História
da Arte, mas apesar de ter frequentado a Fundação Escola Guignard por mais de
um ano, naquela escola os mestres não estimulavam muito a teoria e a história
da arte e sim a prática e mais prática. Certa vez um deles disse-me, quando lhe
mostrei que estava lendo um livro de história da arte, que não era bom ser
influenciado por outros artistas e suas histórias!???
Inclusive, naquele tempo de Guignard eu me recordo de uma viagem que os
alunos e professores fizeram sob a chancela do Projeto Rondon, ou coisa que o
valha. Fomos para Ouro Preto e munidos de nosso arsenal (papel, prancheta,
tintas, lápis, pinceis, loucura etc.), passamos toda a manhã pintando e
bordando e depois do almoço, ou melhor, na parte da tarde foi cada um para um boteco
e enchemos o tanque. Já estava enamorado da velha Villa Rica. Viemos embora
tarde da noite e até deixamos um colega para trás, o Parc – Paulo Roberto
Coelho, se não me engano, da Lagoa Formosa-MG. Vida de artista é assim mesmo.
José Arnaldo também ministrava a disciplina “História da Arte no
Brasil”, cujos objetivos eram: “Discutir as diferentes manifestações artísticas
ocorridas no Brasil, do período Pré-Cabralino à época contemporânea...”. Sua bibliografia nesta disciplina era mais
alentada e ambiciosa, 39 títulos. Mesmo com todos estes títulos a bibliografia
sobre uma História Geral da Arte no Brasil era ainda muito pobre e destacou
duas obras. Uma delas, “Arte no Brasil”, obra coletiva, que havia sido editada
pela Editora Abril em 1979 era provavelmente a única disponível. A outra,
também coletiva e organizada por Walter Zanini, “História geral da arte no
Brasil” (1983), além de rara custava muitas oitavas de ouro, mas existia um
exemplar na biblioteca do Instituto. E
no varejo ele trabalhava com autores como Affonso Ávila, Pietro Maria Bardi,
Carlos Lemos, Lourival Gomes Machado, Robert C. Smith e Germain Bazin. Este
último com o execrado, mas muito citado “A arquitetura religiosa barroca no
Brasil”, traduzido naqueles dias, em 1983. Também José Arnaldo estava sempre
antenado no mercado editorial e sempre que lançavam alguma obra digna de nota
ele comentava e incentivava que comprássemos. Foi o que aconteceu, com primeira
tradução para o português em 1984, do clássico livro de Heinrich Wölfflin, “Conceitos
Fundamentais da História da Arte”, que comprei e nunca li na íntegra e que até
hoje é fundamental para o estudo do Barroco!
Mas ainda posso ler! Livro tem essa vantagem diante de muitas coisas
terrenas: não perde! Além disso, nos apresentou outra obra que havia sido
editada em, 1982, e que foi um dos mais discutidos livros naquele momento e que
foi marco na revisão bibliográfica sobre as riquezas das Minas setecentistas,
“o falso fausto”, o livro brilhante que ele nos apresentou foi “Desclassificados do Ouro; A pobreza
mineira no século XVIII” de Laura de Mello e Souza. Segundo José Arnaldo,
“...foi neste ambiente de riqueza e pobreza, mais pobreza que riqueza que os artistas barrocos
executaram suas obras-primas.” Ainda tenho o livro, que o Zé nos desvelou, e no
dia da apresentação leu o seguinte trecho que nos deixou inspirados: “...o barroco se utiliza da ilusão e do
paradoxo, e, assim, o luxo era ostentação pura, o fausto era falso, a riqueza
começava a ser pobreza e o apogeu, a decadência.” (p. 23).
A PRÁXIS DA PRÁTICA OU A TEORIA
NA PRÁTICA OU O COTIDIANO
SOB AS BRUMAS E OS SINOS DA VILLA DE NOSSA
SENHORA DO RIBEIRÃO DO CARMO: A ARTE DO REMORSO
Carlos Drummond de Andrade escreveu que “Toda história é remorso” e é
mesmo. Pequeno ou grande, profundo ou fútil. Mas é. Ao recordar José Arnaldo eu
gostaria de ter prestado mais atenção em suas aulas tanto no conteúdo quanto na
forma. Mesmo acreditando que naqueles dias de névoa e ânsia eu fazia o possível.
Não me recordo totalmente de suas aulas só fragmentos. Aliás, em todas as aulas mesmo as mais
desinteressantes como de economia política, didática, língua francesa e talvez
a mais cruel de todas: Estrutura e Funcionamento do Ensino ou socorro Idade
Média! Tudo era importante. Hoje eu sei!
Fui da terceira turma do glorioso Instituto de Ciências Humanas e Sociais
da Universidade Federal de Ouro Preto. Fomos os fundadores daquilo ali! Faltava de um tudo! Livros, fotocópias,
televisão, papel, videocassete, cantina, refeitório, sexo, sem contar os
professores que chegavam naquele deserto de homens e coisas básicas e caiam
fora no primeiro trem ou na primeira jardineira que aparecia. Em outro
alfarrábio falarei deles e delas, alguns grandes outros minúsculos. O que não faltava era a preguiça e falta de
perspectivas naquele final de ditadura militar que ainda urrava. Fraco mas
urrava!
Mas o Zé Arnaldo ficou! Aquele lugar, aquelas pessoas, aquelas casas,
aqueles sinos, aquelas rezas, aqueles campanários tomados e corroídos pela
intempérie, aqueles anjos e querubins, aquelas neblinas pegajosas e pestilenciais
às vezes...o que o detivera naquele vácuo de tempo? Estava escrito nas águas barrentas do Ribeirão
do Carmo que seu destino já estava selado naquelas brenhas frias do passado? Ou
serão os seus ancestrais e os meus que vieram da Europa, da África, dos "matos
dentro” e foram expulsos dali, fugiram para o oeste, Pitangui, Divinópolis,
Patos de Minas, mas os umbigos dos antepassados estavam sepultados em alguma
nave de alguma capela hoje demolida? E agora chamam os parentes?
Mas o Zé ficou. Pode ser que ele
tenha reclamado de alguma coisa. Não me recordo. Apesar de ter convivido uns cinco
anos com ele como aluno, monitor e amigo. E depois por mais de vinte anos como
ex-aluno e amigo. Entretanto convivemos pouco, mas o suficiente! Não sou muito
de apegar às pessoas vivas nem aos mortos. Essa falta de paciência com os
humanos, os animais e as coisas. Mas vivi como tenho vivido com as pessoas que
me suportam de forma mais ou menos recíproca! Acho que nunca deixarei
lembranças...e que “os mortos enterrem seus mortos” que algum dia serão
esquecidos...mas enquanto ainda estão mornos, temos que recordar, materializar
a recordação ainda que com palavras frias...
Recordo-me da paciência do Zé Arnaldo. Naquela época da carência quase
que absoluta de tudo, dar aulas de História Geral da Arte ou da Arte Brasileira
só no “cuspe e giz” era muita abnegação, ainda que fosse numa Universidade
Federal. Quando fosse falar ou ministrar
aulas sobre o Barroco Mineiro era simples. Era só atravessar a rua, era só
olhar para qualquer ponto cardeal, a História estava bem ali, assustadoramente
te engolindo, as curvas e contracurvas, as volutas, a contrarreforma, o olhar
inquisidor do pároco, as cores do Ataíde, o Cristo contrito lutando para tirar
os pecados do mundo, as Nossas Senhoras e a legião dos anjos conduzindo o
demônio de volta para suas profundezas. E tudo em uma ladainha de latins e
querubins....beatas e beatos, frades e freiras deslizando pelas capistranas
nuas ao sol...
O Zé, me recordo, pacientemente, fotografando aqueles novos livros de
História da Arte, principalmente os seus, porque no ICHS, apesar dos esforços
do diretor, Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho às vezes se parecia mais
com o pagador de promessas Feliciano Mendes de Bom Jesus do Matosinhos
esmolando pelos sertões para construir seu santuário, indo diuturnamente à
Reitoria da UFOP em Ouro Preto, mas as necessidades não eram supridas. Mas o Zé, continuando, fotografava e
transformava aquelas estampas inéditas para nós em slides fantásticos. Sim
slides, porque não tínhamos computadores, internet, nem Datashow, nem nada. Às
vezes um videocassete funcionava...às vezes...
Além do Professor Lázaro Francisco da Silva, de Filosofia, que também
já dobrou o Cabo Bojador (1942-2003), o Zé, apesar de às vezes ser reservado, o
que era mais do que certo, foi um dos poucos que nos franqueava não só sua
biblioteca e seus livros, mas mantinha sempre aberta a porta de seu gabinete
naquele Kalahari que era o Departamento de História do ICHS.
O remorso não tem fim. E, outro evento me faz ter vontade de voltar ao
passado, mas como já escrevi alhures, não que eu me arrependesse de algum fato
do que eu vivi ou deixei de viver. Se não fossem as falhas de meu passado provavelmente
não estaria escrevendo esse amontoado de coisas desconexas, ainda que seja uma
homenagem ao meu irmão de jornadas inconclusas. O remorso me leva a uma
localidade do passado, meu e do tempo, daquelas descritas por Cornélio Pena,
que sempre cito, no seu contundente “Fronteira”: “As montanhas correm agora, lá fora, umas atrás das outras, hostis e
espectrais, desertas de vontades novas que as humanizem, esquecidas já dos
antigos homens lendários que as povoaram e dominaram. - Carregam nos seus
dorsos poderosos as pequenas cidades decadentes, como uma doença aviltante e
tenaz, que se aninhou para sempre em suas dobras. Não podendo matá-las de todo
ou arrancá-las de si e vencer, elas resignam-se e as ocultam com sua vegetação
escura e densa, que lhes serve de coberta, e resguardam o seu sonho imperial de
ferro e ouro.” Só que Catas Altas do Mato Dentro, então distrito de Santa
Bárbara, que era mais uma destas decadentes vilas do ouro, não se encontrava no
dorso, nem era uma doença e mais se assemelhava a uma sujeira, ou uma desbotada
“fotografia na parede”, mas não doía. Era uma sujeira linda, sublime...
Em 1982, quando fui para Mariana estudar, já conhecia quase todas as
vilas do Ouro, exceto talvez S. João del Rei e Tiradentes. Conhecia Mariana, Ouro Preto, Sabará,
Pitangui, Congonhas, Santa Bárbara, Barão de Cocais, Brumal e outras que
tiveram ouro, mas foram esquecidas como Paracatu... Assim, o que me
impressionou em Catas
Altas não foi exatamente a estagnação econômica, nem a
letargia social e cultural do lugar. Nem os aspectos externos de seus templos, como
a Igreja de Nossa Senhora da Conceição e suas torres de uma singularidade
única, espetando o céu para que ele furasse e caíssem anjos ou alguma coisa
mais poderosa que a socorresse, ela e as Capelas de Nossa Senhora do Rosário,
de Santa Quitéria e a do Bonfim.
O mais espetacular e surpreendente naquele diminuto lugar de quatro
templos religiosos e paradoxalmente esquecido por Deus, foi a paisagem natural
que servia de cenário para aquela comunidade de seres humanos forjada para ser
abrigo de caçadores de ouro e riquezas. E depois, de troco, pobreza e prostração.
Junto com o Professor eu e ele, do frontispício do templo paramos e perscrutamos
nossos olhares em direção para além do adro da Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, passando por uma praça nua onde jazia um pequeno chafariz em coluna,
mais a baixo o espaço era rasgado pela rua onde casarios com marcas de antiga
opulência serviam de contraponto com a extraordinária e conspurcada muralha de
pedra de um dos braços da Serra do Caraça ao fundo que servia de gigantesco e impressionante
ponto de fuga. As casas, as igrejas, as
ruas e os seres humanos pareciam minúsculos diante daquela brutal e bela
estrutura de pedras. Aquela montanha talvez só se comparasse a outra que
conheci mais tarde, a da Serra de Ouro Branco que também oprime e esmaga inclemente
a vila do ouro do mesmo nome. O mesmo não posso dizer sobre Ouro Preto, a
cidade sempre foi mais poderosa...
Passado o susto, ou melhor, a surpresa pela visão poderosa da terra
compacta onde já teve ouro, volto ao remorso. Quando saí de Belo Horizonte e
fui estudar no ICHS, inicialmente por cerca de um mês e meio morei no Hotel
Providência em Mariana, depois devido a uma série de carências, mudei para uma
pousada em Ouro Preto,
a Tenda JJ. E todos os dias letivos eu
ia e vinha para Mariana. Numa manhã de
sábado (não me recordo do ano ou do mês) quando estava no Instituto
encontrei-me com o Zé Arnaldo e ele disse que estava indo para Catas Altas
fazer umas pesquisas na Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Não pensei duas vezes, não conhecia o Caraça
e nem Catas Altas, apesar de por três vezes ter ido a Barão de Cocais, Brumal e
Santa Bárbara via Belo Horizonte. Fui
com a roupa do corpo. A viagem foi como uma viagem ao século XIX, provavelmente
passamos por caminhos onde Saint-Hilaire e outros viajantes estrangeiros também
trilharam. Inclusive, o Bispo de Mariana, D. Frei José da Santíssima Trindade
que esteve em Catas Altas
em 1821: “FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE CATAS
ALTAS, A 6 LÉGUAS DE MARIANA...Esta freguesia tem
a felicidade de lhe caberem párocos zelosos e vigilantes, por isso o povo é dos
melhores e mais chegados à Igreja que se encontram por perto da cidade. O
arraial não é dos mais povoados, porém corresponde à população da freguesia. A
igreja matriz está colocada em bom lugar e com boa perspectiva. Tem 7 altares e
todos com muita decência, pintados e dourados, porém o principal, tendo
retábulo de talha boa, ainda estava em madeira; a sacristia achou-se
suficientemente provida de ornamentos festivos e para o comum, e de alfaias
para os divinos ofícios.” (OLIVEIRA, R. P. ; LIMA, José. Arnaldo. Coelho. Aguiar. Visitas
Pastorais, p. 85)
Passamos por localidades miseráveis e vimos pessoas tão bizarras e
perplexas como os “catrumanos” descritos por João Guimarães Rosa, seu Grande
Sertão:Veredas. E ainda tivemos de fazer baldeação não sei bem onde e como a
estrada piorou, mudamos para uma “jardineira” mais ordinária do que a que nós
estávamos. Por fim chegamos àquele lugar
como que numa aquarela romântica do século XIX onde a natureza era soberana e
magistral.
Fomos direto para a Igreja e logo, logo, senti que eu seria inútil para
o Professor, pois tenho que confessar que na noite anterior tinha ingerido
aquela maldita cachaça ouro-pretana na República Tabu ou no Bar das Coxinhas. A
minha ressaca era maior que aquela igreja e quase tão grande quanto aquela
linda e ameaçadora montanha.
Mas antes de abandonar o Zé e a sua Igreja, ainda tive tempo de ouvir o
histórico daquele templo religioso que segundo ele mais ou menos assim: “Além da riqueza, beleza e diversidade da
talha dos retábulos e de toda decoração interna, este templo nos permite
observar e estudar o processo de douramento das esculturas. A decadência da
exploração aurífera e o êxodo da população quase deixou esta cidade em ruínas e
graças à paralisação do trabalho dos artistas e artífices é possível ver, obras
entalhadas totalmente terminadas e douradas, obras inacabadas sem douramentos e
obras começadas. Uma verdadeira aula de escultura e arte barroca, um ateliê
vivo, mas congelado no tempo.” Eu fiquei ouvindo o mestre, dentro do
possível atento às suas lições. Depois ele me mostrou um crucifixo, dizendo, “Este é atribuído ao Antonio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho”. E disse também que algumas pinturas possuem a
palheta de Manoel da Costa Ataíde. E continuou, descrevendo e anotando detalhes
do retábulo-mor, dos outros retábulos, das tribunas, dos púlpitos e de toda a
decoração da nave e da capela-mor. Aí que vem o remorso, arranjei uma desculpa
e fui para um bar que tinha na lateral direita da igreja. E fiquei ali olhando o templo e a montanha.
Quanta coisa deixei de aprender com o Professor José Arnaldo naquele dia? (Será que aquelas anotações resistiram ao
tempo?) E ele continuou todo o resto do dia dentro daquele templo.
Quando o Professor entrava em algum templo setecentista era como se
estabelecesse um colóquio não com as entidades sagradas ou os mortos sepultados
na nave, mas um colóquio com as obras daqueles homens que executaram seu
trabalho em nome de Deus e da fé. Um colóquio profundo e pungente!
À noite quando eu ainda estava meio que de porre participamos do ensaio
ou de uma apresentação de uma pequena banda na Capela de Nossa Senhora do
Rosário. Depois dormimos em um casarão naquela rua principal defronte à Igreja
Matriz. Este casarão cuja planta era quase
em forma de “U”, e que possuía na fachada duas janelas e quatro portas, era um
verdadeiro palacete colonial, com inúmeros quartos, com varandas internas e no
fundo da horta um caminho de pedras levava a uma curiosa mina d’água límpida e
fresca. Também, por incrível que pareça, no casarão funcionava um posto de
serviços do Banco do Estado de Minas Gerais (BEMGE). (ANEXO I) E o mais curioso
é que ali tinha um estranho animal doméstico preso pelo pescoço, um macaco
bugio, triste e desolado como um anjo barroco que caiu e quebrou as asas e ficou
prisioneiro de homens até ao fim de seus dias na sombra daquele vulcão que
nunca iria entrar em
erupção. Se entrasse jorraria ouro e sangue!
No outro dia, mais ressaqueado ainda, visitamos a Capela de Santa
Quitéria ou do Carmo, que tinha um frontão muito parecido com a Capela Nossa
Senhora do Ó, de Sabará. Neste momento ela passava por restauração e o
restaurador, muito jovem, também era estudante no ICHS, mas não me lembro do
nome.
Voltamos para Mariana pela mesma estrada poeirenta e deserta, fizemos
baldeação no mesmo e triste lugar, vimos os mesmos viventes esquecidos pelas
autoridades. E eu, devido à minha ressaca e a minha total inutilidade enquanto aprendiz,
me sentia mais triste e desolado que aquele macaco incapaz de se livrar de sua
triste sina de macaco-cão que não latia. O Zé Arnaldo não disse nada – ele era
assim -, mas compreendeu o meu estado e também aceitou pois ao final das contas
eu fui a passeio sem o mínimo compromisso, mas poderia ter sido diferente.
Nunca mais voltei a Catas Altas, mas quem sabe algum dia?
Entretanto, o Professor José Arnaldo sabia que podia contar com aquele
seu aluno mais velho que o resto dos alunos e dele mesmo.
A primeira vez que o José Arnaldo precisou das minhas serventias eu
estava ali por prazer e por obrigação. Mais por prazer.
Ele precisou viajar, ele sempre ia a Belo Horizonte onde residia sua
esposa Keka, sobretudo aos finais de semana. E uma amiga ou ex-colega da
Faculdade de Filosofia de Belo Horizonte, não me recordo direito, e o que me recordo
somente o apelido, Lili (eu acho), precisava fazer uma espécie de pesquisa de
campo e um relatório sobre Turismo e História e ele perguntou se eu não poderia
ciceroneá-la em alguns museus e igrejas de Ouro Preto e Mariana. Foi na hora! A
visitante além de bonita, inteligente e etc., iria pagar as despesas de secos e
molhados.
Começamos no sábado de manhã em Mariana depois de um breve roteiro,
visitamos o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra, a Catedral da Sé e o
impressionante conjunto (apenas externamente) da praça formado pela Casa de
Câmara e Cadeia e o Pelourinho, a Igreja São Francisco de Assis e Igreja Nossa
Senhora do Carmo. Em cada um deles esboçava algum arrazoado histórico e ela ia
anotando em um caderninho e às vezes perguntava alguma coisa que eu não sabia,
mas deu tudo certo. Antes mesmo do almoço, fomos para Ouro Preto, que parecia
ser o seu verdadeiro foco de interesse.
Almoçamos no Restaurante da Escola de Minas e aproveitando que
estávamos na Praça Tiradentes, visitamos primeiramente o Museu de Mineralogia,
no Antigo Palácio dos Governadores (só o prédio valia a visita, sobretudo do
lado de fora, que monumento!), em seguida o Museu da Inconfidência (onde até
hoje não me canso de visitar). E ela estava que já não aguentava de tanto
falatório e minerais, santos, defuntos do passado e antiguidades. Visitamos a
República Tabu, para ela ver como aquilo funcionava. Depois de uma pausa
demorada no entorno da Igreja São Francisco de Assis e eu não me recordo se
entramos nesta igreja ou na Igreja Nossa Senhora do Pilar... E aí a tarde e
bruma caiam e me lembro é que depois fomos para a antiga rodoviária onde hoje se
encontra a nova e nesta época na esquina tinha um botequim de quinta categoria
e foi onde ela nos proveu dos molhados. Aí ela perdeu o ônibus e teve que ir
embora no outro dia, bem cedinho eu a trouxe entre as brumas íngremes da S.
Francisco de Paula... E segundo o Zé Arnaldo ela ficou satisfeita com o meu
trabalho! Foi o meu primeiro trabalho
como guia turístico...
A segunda vez que fui útil, não foi tanto prazer, nem muito por
obrigação, foi por dinheiro, o “vil papel”. E foi a primeira e última vez que
trabalhei para a Rede Globo de Televisão. Depois eu me senti o “Bozó”, aquele
personagem do Chico Anísio que falava para todo mundo que “trabalhava na
Globo”. Foi um trabalho de pesquisa feito no Arquivo Eclesiástico da
Arquidiocese de Mariana, em agosto de 1984.
Segundo José Arnaldo, a Rede Globo de Televisão de Belo Horizonte, na
pessoa de um certo Yves, eu acho, estava interessada nas “Devassas dos
Comissários do Santo Ofício em
Minas Gerais no século XVIII”, tendo por objetivo “um caso
especial” sobre a “Inquisição em Minas”, e em Mariana no Arquivo Eclesiástico
tinham alguns livros destes visitadores. Assim, o Zé passou-me o roteiro, as
coordenadas eu fiz a pesquisa bibliográfica (ele como sempre me emprestou os
livros), elaborei um pequeno texto sobre “A visitação do Santo Ofício: Vila de
São José d’El Rei”. Mas o que deu mais trabalho foi a leitura e a transcrição
paleográfica de 15 páginas do “Segdº
Livro das devaças de viztª da Cap.nia das Minas, 1737/8. Frgª de Sancto Antº da Vª de S. Joze.” E tudo
datilografado na minha maquininha Olivetti Studio 45. Que na época era meu PC,
meu tablet, minha tradutora dos garranchos ilegíveis paridos do meu cérebro
febril. Aliás, essa maquininha infernal foi presente da Nádia, minha prometida,
comprada do dono da Pousada que a havia penhorado em troca de pernoites não
pagos de algum hóspede insolvente.
O trabalho ficou legal, o Zé Arnaldo não chegou a ver a coisa pronta,
só depois que eu já havia terminado e entregue em Belo Horizonte é
que ele leu meio perplexo. E para variar ele achou um monte de erros, que, entretanto
não comprometiam a pesquisa. Pagaram-me
o que eu pedi, Cr$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil cruzeiros), não era muito,
mas uma quantia razoável, se comparado com o aluguel mensal do quarto onde
morava que era Cr$ 40.000,00 por mês. A forma que encontrei para agradecer ao
Zé Arnaldo foi presenteando-o com um livro que havia sido traduzido para o
português no ano anterior e que “estava na moda”, “Como se faz uma tese” de
Umberto Eco. Comprei um para mim também.
O ano de 1984, eu completei 30 anos de existência e graças ao Professor
José Arnaldo foi um bom ano. Além ter executado este trabalho para a “Globo”,
foi o ano em que depois de passar por prova escrita e entrevista, fui aprovado
para ser Monitor da Disciplina História Geral da Arte o que aconteceu também no
ano seguinte.
Como monitor, tive poucos monitorados, mas li e pesquisei bastante. E
sob a orientação do Professor José Arnaldo, em junho de 1984 elaborei o projeto
de pesquisa, “O estatuto econômico-social
do artista e artífice em Mariana; de meados do século XVIII a meados do século
XIX.” O projeto em si era bom, em
minha justificativa, aliás, que o Professor elogiou, foi: “A justificativa de abordar o ‘estatuto econômico-social dos artistas
e artífices de meados do século XIX’, é que as obras existentes sobre este tema
são poucas e às vezes apenas abordam superficialmente estas questões. A maioria
delas estudaram a importância de apenas alguns artistas e artífices, e deram um
enfoque sobre suas obras, ou seja, seus conteúdos e suas formas. Estudos sobre
sua inserção no processo histórico de suas épocas, sua vida em sociedade, seu
estatuto econômico-social, poucas vezes foi abordado. Alguns pesquisadores o
fizeram, tais como: Rodrigo José Ferreira Bretas, Mário de Andrade, Affonso
Ávila, Germain Bazin, Orlandino Seitas Fernandes, Lourival Gomes Machado,
Marilia Andrés Paixão, Caio Prado
Junior, Josanne Guerra Simões e Sylvio de Vasconcelos, para citar apenas alguns;
mas em nenhum deles temos um trabalho específico de grande vulto. E muitos
deles foram buscar em Salomão de Vasconcelos, no seu clássico ‘Ofícios
mecânicos em Vila Rica
durante o século XVIII’, subsídios para seus trabalhos. Assim acreditamos na
existência de lacunas que pesquisadores, ou não descobriram ou consideraram
irrelevantes. À procura delas é que
iremos quando nos debruçarmos sobre os documentos relativos aos séculos XVIII e
XIX.” E estou procurando até hoje.
Professor José Arnaldo leu o projeto, gostou muito. Releu e nas 17
páginas contando com a capa e a bibliografia consultada e a ser consultada com
a sua letra “de forma” sempre escrita a lápis provavelmente número 2, ele fez
dezenas de correções, cortes e complementações. Além de indicar nova
bibliografia, esteve comigo inúmeras vezes na Casa Setecentista orientando-me
como encontrar os códices e os documentos relativos aos artistas e suas obras
de Mariana. E durante quase dois anos de leituras e fichamentos de livros
documentos e fontes primárias e secundárias o projeto resultou em nada. Nada! Quatro anos depois 1988, Caio C. Boschi,
publicou pela Brasiliense (Tudo é História), o livro “Barroco Mineiro: Artes e
Trabalho”, e esta história dos artistas e artífices voltaram na minha memória e
ao terminar de ler, escrevi na última página: “O livro que eu poderia ter escrito”.
E se dependesse do Professor José Arnaldo eu teria escrito. Mas tem
sempre uma frase de João Guimarães Rosa que eu gosto muito e serve de desculpas
para todo preguiçoso: “...a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai
dar na outra banda é num ponto muito mais em baixo, bem diverso do que em
primeiro se pensou.” E isso quando não morre afogado!
Semanalmente encontrava-me com o Professor, mas muitas outras coisas me
desviaram do meu curso de candidato a pesquisador. Uma delas foi o tal de M.E. (movimento
estudantil). Debates estéreis foram travados entre os comunistas, os petistas e
o resto. Eu e meu amigo Antônio Luís Vieira fazíamos parte do primeiro grupo.
Eram reuniões, reuniões e mais reuniões, panfletagens e discussões inúteis. E tudo acabava
no Bar das Coxinhas ou em alguma república e muita cachaça e farra. Nós
queríamos acabar com o regime militar e democratizar o Brasil na marra e na
pinga!
Entretanto, a bem da verdade mesmo, o projeto não andou, não deslanchou
e não teve fim, foi culpa minha mesmo. Eu era muito bom para ler, fichar,
debater, conversar fiado, mas na hora de escrever e “amarrar teoricamente”, era um fracasso. Meu arsenal
encefálico nunca me permitiu avançar. Inclusive dois outros professores foram
jogados na fogueira de minha incapacidade e leram e discutiram o projeto
comigo. O primeiro foi Sidney Chalhoub, que depois foi embora. O segundo foi
José Carlos Reis. Ambos gostaram do projeto mas mandaram que eu voltasse para a
“prancheta”, ou seja, estude mais, pense mais...não deu! Principalmente o
pensar mais! O último e que insistiu comigo até o fim foi o Professor José
Arnaldo...
BIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA E NÃO
PESQUISADA
José Arnaldo Coêlho de Aguiar Lima nasceu em Divinópolis, Minas Gerais
no dia 24 de fevereiro de 1956. Faleceu em Mariana no dia 10 de agosto de 2013.
Era filho de Mivanda Coêlho de Aguiar Lima. Foi feliz. Agora descansa em paz!
OPUS
Não sei. Sobre a “produção bibliográfica”, sobre a escolha ou não de
José Arnaldo publicar mais coisas...Não posso provar, nunca ouvi isso de sua
boca, mas provavelmente ele tinha alguns ditados, máximas ou alguns provérbios
secretos, todos inclusive baseados na música “Como nossos pais”, de Belchior: “Viver é melhor que publicar!”; “Ser professor é melhor que publicar!”;
“Pesquisar é melhor que publicar!”; “Estudar é melhor que publicar!”; “Viajar é
melhor que publicar!”; “Beber é melhor que publicar!”; “Conversar é melhor que publicar!”;
“Comer é melhor que publicar!” “Amar é melhor que publicar!”; “Foder é melhor
que publicar!”; “Escrever é melhor que publicar!”; “Flanar é melhor que publicar!”
e o pior e lamentavelmente, ele descobriu que “Morrer é melhor que publicar!”
e comprovou e foi!
José Arnaldo, se é que posso escrever isso. Escreveu, ou melhor, publicou
pouco. Não me perguntem por quê! Eu
respondo por mim. Eu publiquei pouco e como teria dito o JQ, “Fi-lo porque qui-lo!”. Escolhas inexoráveis.
Numa pesquisa sem pesquisar direito, que isso daqui é apenas uma
homenagem ao meu amigo e não uma dissertação ou uma tese, arrolei algumas
coisas que o José Arnaldo cismou em transformar em palavras, páginas, livros e
outras coisas. O José, também possivelmente pelos mesmos motivos dos provérbios
supra, não quis comprar, roubar, forjar, traficar ou adquirir outros títulos acadêmicos,
ou seja “Viver é melhor que ser mestre!”;
“Viver é melhor que ser doutor!” etc., etc... Escolhas...
No arrogante quesito do “Produção bibliográfica-Livros publicados/organizados ou edições”, da Plataforma
Lattes, o banco de dados de currículos profissionais do Ministério da Ciência e
Tecnologia e CNPq., encontramos as seguintes produções postadas e atualizadas
por José Arnaldo em 30/11/2012:
“1. LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar. As
Novenas em Mariana. Mariana: Arlindo Diorio e equipe da Sala de Ideias -
Serviços Culturais LTDA, 2011. v. 1. 63p . (Em anexo 13 livros de novenas
bilíngues latim/português. Páginas alumbradas)
2. OLIVEIRA, Ronald Polito; LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar.
Visitas Pastorais - de Dom Frei José da
Santíssima Trindade (1821 - 1825). Belo horizonte: Fundação João Pinheiro,
1998. 448p.
3. Ballstaedt, J.E. ; AVILA, A. ; XAVIER, H. ; GONTIJO, J. M. M. ; FRANCA,
J. M. ; OLIVEIRA, M. R. A. ; GUSMAO, R. D. H. ; CAMPOS, A. A. ; VARGAS, J. D. ;
LIMA, J. A. C. A. ; SANTANA, J. G.
. Atlas dos Monumentos Históricos e
Artísticos de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1981.
v. 2.”
Entretanto, na não pesquisa que realizei encontrei mais algumas coisas
e acredito que debaixo deste “feijão,
angu e dessa couve” do Eduardo Frieiro, tem muita carne. E sem contar o que
deve ter de inéditos...mas isso não interessa agora!
1981 - LIMA, José Arnaldo
Coêlho de Aguiar (Coord.); FURTADO, Júnia Ferreira; SIMÕES, Josane Guerra. Ouro
Preto revisitada: roteiro histórico de seus monumentos esquecidos. Belo
Horizonte: UFMG, 1981.
1985 - LIMA, José Arnaldo
Coêlho de Aguiar. Resenha- ÁVILA &
SANTOS. Iniciação ao barroco mineiro. In: Barroco 13. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais,
1985. p. 129
1990 - LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar. Memória e patrimônio histórico.
In: LPH; Revista de História, v. 2, n. 1, p. 89-90, 1991. Nos Anais do
VII encontro de História da ANPUH-MG, Crise das Ideologias – Mariana, 24 a 28 de setembro de 1990.
1993 – LIMA, José Arnaldo Coêlho
de Aguiar- As línguas e a subversão. In:
Pé na Estrada; Mariana no Mundo e o Mundo em Mariana. Mariana, nº 19, maio
de 2014, p. 3- (In memoriam)
1994 - LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar; OLIVEIRA, Ronald Polito. Os bracher. Mariana: Universidade Federal
de Ouro Preto, 1994. Curadoria – Mariana – Sala Affonso Ávila - 21 de setembro a 19 de outubro de 1994. 52p.
1997 - LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar. A pintura de Elias Layon;
Retrato de um artista. In: Estado de Minas, 19 de julho de 1997 –
Caderno Pensar.
LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar. A capitania sublevada. In:
Posto temático Inconfidência Mineira. Ouro Preto: Petrobrás. S.d.
Encartes de informações históricas e turística do Posto Temático
Inconfidência Mineira da Petrobrás que ficava na Rua Padre Rolim e foi
parcialmente destruído pelo deslizamento de terras que aconteceu em 2012. No
encarte além do texto principal “A capitania sublevada” constam também os
seguintes: “Arte”, “Culinária”, “Literatura e Música” e “Sociedade e Fé”.
2001 - LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar. Palácio
da Olaria. Manuscrito, 2001. Apud. COTTA, André Guerra. (Org.) Guia do Museu da Música de Mariana.
Mariana: Fundarq, 2008.
2001 - LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar. Arquivo Histórico Monsenhor
Horta: estilhaços. I COLÓQUIO BRASILEIRO
DE ARQUIVOLOGIA E EDIÇÃO MUSICAL, Mariana (MG), 18-20 jul. 2003. In: Anais. Mariana: Fundação
Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, 2004. p.177-197.
2013 - LIMA, José Arnaldo Coêlho de Aguiar.
Nativitate Domini, ou sic transit gloria Mundi, ou duas questões sobre a luz. In: Barroco 20. Belo Horizonte: Centro de Pesquisas do
Barroco Mineiro, 2013. p. 297-311.
Publicação
póstuma, conforme a dedicação do número: “Para José Arnaldo (in memorian), companheiro e amigo, por
sua especial colaboração ao estudo do Barroco Mineiro.”
PRESENÇA DE JOSÉ ARNALDO
Se o Professor José Arnaldo não publicou muitas coisas não significa
que sua vida acadêmica tenha sido um marasmo total. Pelo contrário, desde que chegou à região de
Ouro Preto e Mariana no início da década de 80 participou de intensas
atividades acadêmicas, culturais e sociais (sem contar as etílicas, por suposto), era uma presença constante
em tudo. Na
Plataforma Lattes isso pode ser plenamente comprovado, foram
cursos, orientações de monografias, bancas julgadoras, além de inúmeros eventos, congressos, exposições e feiras. Sem
contar as festas em Mariana no ICHS, nos bares, nas comemorações, festas
litúrgicas e folclóricas. Enfim teve uma vida social, acadêmica e fraterna
muito rica.
Como ele não possuía doutorado, obviamente não poderia participar de
bancas examinadoras nem de mestrado nem de doutorado. Entretanto, em um
bosquejo pude constatar que vários mestrandos o agradeceram de forma especial
pela sua colaboração, apoio e incentivo nas pesquisas. Destaco alguns.
Públio Athayde, “As Quatro Estações: Mimeses.” (Pós-Graduação Lato Sensu,
2007), “José Arnaldo Coêlho de
Aguiar Lima, pelos préstimos e empréstimos de seus saberes.”
Cristiano Souza Oliveira, “Os Membros da Ordem Terceira de São
Francisco de Assis de Mariana” (Dissertação - Juiz de Fora, 2008), “O interesse
pelas Ordens Terceiras surgiu em uma disciplina, ainda na graduação na
UFOP, ministrada pelo Professor José
Arnaldo Coêlho de Aguiar Lima, que foi também o orientador de minha monografia
de Bacharelado. Agradeço assim primeiramente a ele por ser meu primeiro mestre,
e por fim por tornar-se meu amigo e grande incentivador no estudo dos Terceiros
Franciscanos de Vila Rica, me ensinando como realizar um trabalho de pesquisa
histórica.”
Daniel Precioso, “Legítimos Vassalos:
pardos livres e forros na Vila Rica colonial (1750-1803)”, (Dissertação - Franca, 2010), “Ao professor José
Arnaldo Coelho de Aguiar Lima pelo atendimento prestativo às minhas dúvidas.”
Fernando Marcelo Seabra de Oliveira Santos,
“Lições de civilidade: A didática do bem viver e regras de sociabilidade em um Periódico de ouro
preto (1845-1848)”, (Dissertação - São João del Rei, 2011), “Na UFOP que
aprendi a ser pesquisador e docente, agradeço meus professores e
funcionários... o grande amigo e exemplo o Professor José Arnaldo Coêlho de
Aguiar Lima...”
Nara Rúbia de Carvalho Cunha, “CHÃO DE PEDRAS, CÉU DE ESTRELAS: o
Museu-Escola do Museu da Inconfidência, Ouro Preto, década de 1980.”, (Dissertação - Campinas,
2011), “Meus primeiros contatos com o objeto de pesquisa foram devidos à
sensibilidade da amiga Gabriella Moyle e à gentileza do professor de História
da Arte José Arnaldo Coelho de Aguiar Lima, que me apresentaram o Museu-Escola
do Museu da Inconfidência.”
Elaine Chaves, “O Surgimento do
Português Brasileiro: mudanças linguísticas e mudanças tecnológicas no Brasil,
séculos 18 e 19”,
(Tese – Belo Horizonte, 2013), “Gostaria
de fazer um agradecimento especial ao professor, do curso de História da
Universidade Federal de Ouro Preto, José Arnaldo Coêlho de Aguiar Lima (in
memorian) que me propiciou acesso irrestrito ao Acervo Histórico Monsenhor
Horta e delegou a mim a responsabilidade de tutorar todos os alunos do curso de
Letras que se interessassem em utilizar a documentação deste Acervo em seus
projetos de pesquisa, enquanto fui aluna desta instituição. Falecido poucos
dias após a defesa desta tese, não foi possível entregar-lhe, como fiz com meu
relatório de iniciação científica, monografia e dissertação de mestrado, uma
cópia deste trabalho.”
Além disso, desde nos número 17-ANO 1993/6 e 18- ANO 1997/2000 da
Revista Barroco, José Arnaldo passou a ser o Secretário da publicação,
substituindo Hélio Gravatá (1910-1994), que cumpria honrosamente essa missão ao
lado de Affonso Ávila (1928-2012), desde o primeiro número lançado em 1969. Nos
números seguintes, 19-ANO 2001-2004 e 20- ANOS 2012-213 secretariou a revista
ao lado de Cristina Ávila, filha de Affonso Ávila e Laís Corrêa de
Araújo.
Como secretário da revista Barroco, de 1993-1996, no dia 21 de agosto
de 1995, nas solenidades do dia “21 de abril em Ouro Preto” José Arnaldo foi
quem representou e recebeu a Medalha de Honra da Inconfidência, que o Governo
do Estado de Minas homenageou os 25 anos Revista Barroco.
Foto 2 Revista Barroco 17-ANO 1993/6).
Foto 2 Revista Barroco 17-ANO 1993/6).
Em Mariana, José Arnaldo era uma referência em tudo. Todos o
conheciam, do pipoqueiro ao prefeito. Do
Bispo ao coroinha. Da empregada doméstica à primeira dama. Sem contar os
artistas plásticos, pintores, escultores, músicos e poetas. Uma fauna e uma
flora, imensa, dialética, criativa e fecunda como sua História. Estes artistas,
de uma forma ou de outra são herdeiros de Ataíde e Antônio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho: Alcides Ramos, Aloysyums, Álvaro, Beth, Guima, Dalva Ribeiro,
Cezário, Edésio, Eduardo Campos, Zulu & Paula, Paglioto, Ladim Gamarano, Lélio,
Manoel Chaves, Márcio Silva, Maysylva, Mestre Paiva, Renato R.L.J, R. Lima,
Roquinho, Salvador Paixão, Tumão, Vigário, Zizi Sapateiro e Elias Layon. E
tantos que vieram depois de minha época. Alguns eu conheci...
Certa feita eu estava visitando o Cemitério São Gonçalo da extinta e
desconhecida Capela de São Gonçalo em Mariana e ao conversar com um vizinho que
mora defronte ao logradouro que hoje é cemitério, perguntei se ele conhecia o
professor José Arnaldo, pois eu havia ido à sua antiga casa, na Rua Dom Silvério
e bati várias vezes e ninguém atendeu. Surpreso o morador comunicou-me que ele
agora morava era na Rua Santana. E era sempre assim todos o conheciam, José
Arnaldo não podia sair à rua com pressa, pois a todo instante tinha que
conversar com moradores e amigos.
Sem contar que intelectuais de todo o Brasil o procuravam. Ele era o
cicerone e o anfitrião oficial de pesquisadores do barroco em Mariana e região.
Eu mesmo presenciei várias vezes ele conversando com professores, pesquisadores
e “autoridades” do mundo das artes plásticas, música e literatura. Um deles que
também era freguês contumaz das cidades de Ouro Preto e Mariana era o Affonso
Ávila, que também virou aprendiz de voo com os anjos barrocos lá na casa de São
Pedro (1928-2012).
Em 2006, a
Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais/Arquivo Público Mineiro,
publicou o livro, “Fortuna Crítica de Affonso Ávila”, que me fez voltar
novamente em Mariana através da máquina fabulosa da memória. No livro me deparei com três fotos de pessoas
e lugares da saudade. A primeira delas,
“À mesa, em casa de José Arnaldo e Keka, em Mariana, Ronald Polito com Affonso - 1997” foto 3 (p. 84), me recordo dessa mesa na antiga casa de Zé Arnaldo, na Rua Salomão Ibrahim da Silva. Naquela época ela era mais simples, mas não menos acolhedora. Uma távola redonda como antigamente.
“À mesa, em casa de José Arnaldo e Keka, em Mariana, Ronald Polito com Affonso - 1997” foto 3 (p. 84), me recordo dessa mesa na antiga casa de Zé Arnaldo, na Rua Salomão Ibrahim da Silva. Naquela época ela era mais simples, mas não menos acolhedora. Uma távola redonda como antigamente.
Nesta, “José Arnaldo, Affonso, a organista Elisa
Freixo, Laís Corrêa de Araújo (esposa de Affonso) e o poeta Duda Machado, em
Mariana, Sala Affonso Ávila da UFOP, 1999” foto 4(p. 299).
Aqui, “Affonso, Josanne Guerra Simões-Keka, Laís e José Arnaldo, no adro da Igreja São Francisco de Assis em Mariana, 1992.” (p. 323). Foto 5
OUTRAS PRESENÇAS
Ao acaso encontrei também a
presença de José Arnaldo em uma reportagem e em um documentário sobre Ouro
Preto, Igreja São Francisco de Assis e o Aleijadinho.
Na reportagem, de 2012, a
terceira parte de uma série intitulada “Caminhos da Reportagem: A rota do ouro
e do diamante”, conduzida pelo repórter Lucas Rodrigues e realizada pela
TVBRASIL, José Arnaldo faz três intervenções sobre a Igreja São Francisco de
Assis e o Aleijadinho[1]. Foto 6
O documentário, tenho que
ressaltar, foi até hoje um dos mais fantásticos e belos dos inúmeros que já
assisti sobre Ouro Preto, igrejas e cidades históricas e o Aleijadinho: “Arquiteturas: Igreja de São
Francisco de Assis”.
Nele José Arnaldo, como sempre,
realiza seis robustas e curtas intervenções sobre a Igreja de São Francisco de
Assis, irmandades religiosas e o Aleijadinho. Os outros interventores nesse
prodigioso documentário foram: Carlos
Alberto Maciel, Guiomar de Grammont, Rodrigo Meniconi, Rodrigo
Bastos, Marcos Hill, Márcia Chuva,
Guilherme Wisnik. Foto 7
ENCONTROS E DESENCONTROS
Depois de 10 longos anos voltei a Mariana. Separação dolorosa e
lancinante. Amo esta cidade. Ela e Ouro Preto. Provavelmente mais que Patos de
Minas onde morei tão pouco na minha juventude e voltei depois de velho e não
reconheço mais esta cidade estrangeira tomada por ruidosos e inclementes
bárbaros e vândalos. Mais que Belo
Horizonte infernal, como todas as metrópoles onde morei 15 infinitos anos. E o
mundo é mesmo redondo e dá muitas
voltas. Minha colação de grau foi em dezembro de 1986 e aí voltei para Patos de
Minas. E como diz o ditado popular, o homem nasce, estuda, fica bobo e casa com
a Nádia. Depois tem dois filhos (Caio em homenagem ao Caio Prado Júnior e
Mariana em homenagem a quem mesmo? Depois viria a neta Karina). Na sequencia,
morei em Uberaba. Voltei
para Patos de Minas e olha só, por seis anos fui professor na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras. E de quê?
História da Arte mineira e regional! E sempre que estava aflito, pedia
socorro ao Zé Arnaldo ou presencial (odeio essa palavra) ou espiritual. E
professor de História na Rede Municipal de Ensino de Patos de Minas, até 2016,
quando me aposentei, para sorte de meus alunos (era concursado, efetivado e
abestalhado, como todo funcionário público...suicidado aos poucos como disse o
poeta!)
Assim, no final de 1996 apareceu a oportunidade e a ocasião propícia
para que eu fosse para Mariana: “X ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH-MG:
Minas, trezentos anos: um balanço historiográfico - 22 a 26 de julho de 1996”.
Senti-me como um muçulmano que ia cumprir a obrigação de visitar Meca
ou um cristão que ia visitar Jerusalém pela primeira vez e ver o Santo Sepulcro.
Só que eu não estava indo pela primeira vez, eu estava era voltando, mas era
para Sodoma e Gomorra. Não que houvesse tanto pecado assim e orgias etc., é que
eu não voltei ali exatamente para orar, mas para conferir alguns amigos e
mestres, algumas pedras, campanários, madrugadas e odores ancestrais. Fui
procurar o que não perdi.
Revi muitas pessoas seres humanos que fizeram parte do meu drama
estudantil de 1982 a
1986. Hospedei-me em Passagem de Mariana e no último dia do encontro teve um
sururu, digo, um sarau no Clube Marianense e eu fiquei mais tonto que um gambá
e de madrugada acabei voltando a pé nem
sei como, para Passagem de Mariana.
No evento, apesar de ter feito um ótimo curso com o professor Ângelo
Alves Carrara, “O espaço econômico da mineração” (me recordo porque tenho o
certificado), não me lembro bem dos outros cursos e mesas redondas e aquela
coisada toda. Eu estava como que
anestesiado de estar ali, naquele antigo Seminário, povoado de vozes do passado
e fantasmas que estavam vivos e que às vezes falavam comigo nos corredores: “Oi
Tôca é você mesmo????”. Todo o mundo estudantil da UFOP, tinha um apelido. Eu tinha
três, o primeiro era Tôca e era usado
pelo pessoal do ICHS, porque eu usava uma touca horrorosa que a minha namorada
Nádia tinha feito para mim e além disso eu era provavelmente um cara que tinha
dormido de touca, como na música de Sérgio Sampaio, “Há quem diga que dormi de
touca...”. O outro apelido era do
pessoal da República Tabu, para encher o meu saco: “Claudio Manoel da Costa”,
ou seja, alguma coisa velha do século XVIII.
E o último, também do pessoal da Tabu, “Mariana”, porque eu tinha morado
em Mariana.
E num daqueles dias cheios de balanços e
sacudidelas historiográficas, exausto e com a cabeça entupida de memórias e
passados, fui para um restaurante na Praça da Sé, velho conhecido meu e escrevi
estas palavras, num ridículo bloquinho verde fornecido pelo “X Encontro”, que
na margem de cima tinha escrito “Tudo é História” e na margem de baixo à
esquerda, “Mariana: 300 ano (sic) Cidade Aurora, Cidade de Minas em Minas Gerais”, entre
uma cachaça e outra, entre uma cerveja e um pedaço de carne de panela e um
badalar longínquo de um sino: “Estou só,
novamente. Mas estou pensando. No velho Xodó. Praça da Catedral a velha ‘ebúrnea’
do Alphonsus. E estou quase igual a ele nos seus estados etílicos. Daqui, a
Catedral do órgão pode ser vista com o seu frontão nem tanto ebúrneo, mas
lúgubre. Mariana é fria e triste. No entanto é menos fria e mais alegre que
Villa Rica. Gostaria de estar agora lá. Mas os “miasmas pestilenciais” e
etílicos, seguramente me aprisionariam naquele antro por um período além do que
aos das minhas possibilidades e necessidades hoje. Tenho e sinto saudades de
Mariana e Caio. A Ná: A Ná? Considero que esta viagem a Mariana e a este X
Encontro da ANPUH, será muito importante para mim. Revi amigos (poucos - mas
sempre tive poucos amigos, apesar de amar a todos, a meu modo). Revi coisas e
memórias. REVI-ME! - E os meus sonhos, anseios e projetos inconclusos, mas
estão vivos! Muito vivos. Por que estou vivo. Mariana cresceu nestes últimos 10
anos, o que era de se esperar, mas se o cidadão ficasse sentado nesta mesma
praça desta Leal Cidade: pouco notaria. Amo a pouca mutabilidade destas cidades
(O.P. e Mariana). Minha filha, Mariana, foi uma homenagem óbvia. Mas os
problemas sociais, como disse o Professor Lázaro, de uma cidade: turística,
histórica, mineradora, real e universitária são inúmeros. Há geração de
marginalizados e excluídos.” E
depois... “Clube marianense mais vazio
que eu. Julho/1996/ Mariana.”
Destes dias de debates e
estudos, talvez a única coisa que tenha valido a pena foi o meu encontro com o
professor José Arnaldo e também com alguns colegas de curso, Vinícius Pantuzza
e Pedro Guerra. Em poucos minutos tentamos colocar 10 anos de assunto em dia. Impossível. Marcamos
de nos encontrar depois em outra hora. Mas...
Os Zés...1996...
Depois, a partir de 2001,
durante estes últimos 30 anos desde que me graduei voltei a Ouro Preto inúmeras
vezes ou mais. E também fui noutras cidades perdidas no setecentos da maldita
fome de ouro de Virgílio ou a auri sacra
fames: Diamantina, Serro, São João del Rei, Tiradentes, Congonhas,
Desemboque e na olvidada Paracatu.
Como já disse, tudo servia e
serve de motivos para o eterno regresso a essas plagas impuras do passado. Eu
vinha como “guia turístico” e poucas vezes cobrei alguma coisa, mas também não
tinha despesas. Secos & molhados e estadia era o mínimo que eu precisava.
Meus conduzidos foram os mais diversos possíveis, alunos de escola pública,
escolas particulares e principalmente estudantes do Centro Universitário de
Patos de Minas, o UNIPAM. Teve aluno de
tudo quanto foi curso, História, Letras, Direito, Pedagogia e outros. Poucos
vinham realmente preocupados com as cidades históricas e o barroco mineiro. Os
adolescentes porque queriam conhecer o mundo e os adultos porque queriam
esquecer do deles e descobrir outros com outras pessoas. Na maioria das vezes
eu não ia com os alunos e nem voltava com eles. Estudantes dentro de ônibus de
excursão são insuportáveis, barulhentos e mal educados. Os adultos (inclusive
eu) bebem demais e os adolescentes comem demais aqueles salgadinhos
nauseabundos. Sem contar que uma vez fui a um congresso de professores
estaduais em Diamantina e a coordenadora rezou um terço dentro do ônibus antes
da viagem e na volta. Pensei até que era um enterro coletivo. Cruzes!
Sempre encontrava um conhecido
ou outro em Mariana ou Ouro Preto. A lista é grande prefiro citar só alguns.
Fui a vários Congressos de
História e em nem todos eu fazia inscrição ou participava integralmente,
sobretudo porque o congresso em si era mesmo só uma desculpa.
José e Jurandir Malerba [sobreviventes da "lama do ICHS"...
José e Jurandir Malerba [sobreviventes da "lama do ICHS"...
Em 2007, participei de fato do
“Seminário Nacional de História da Historiografia: historiografia brasileira e
modernidade.” que aconteceu no ICHS., de 01 a 03 de agosto de 2007. Foi interessante porque além de rever alguns
ex-professores e funcionários do Instituto, revi duas pessoas que foram
importantes na minha época. Uma delas foi Jurandir
Malerba (foto supra), pós-doutorado e autor de inúmeros livros, antigo
companheiro de ICHS e farras. Aliás, foi ele, se não me engano quem fez a
conferência de abertura e na ocasião teria dito mais ou menos isso: “É sempre motivo de orgulho e satisfação
voltar a Mariana e ao ICHS., onde me graduei, etc., e tal, e tomei muitos
porres, inclusive com o Toca que está aqui neste auditório...”. Mais tarde doei um livro para ele de nossa
autoria, e “o fé da zunha”, ainda criticou que estava era dando peso para ele
carregar. O que era verdade. Depois ele
acabou fazendo o mesmo, com um peso menor e de mais qualidade e também me
presenteou com um livro que ele havia traduzido, “Antimanual do mau
historiador; ou como se fazer uma boa história crítica?” de Carlos Antonio
Aguirre Rojas, onde fez a seguinte dedicatória: “Para o Tôca, meu grande amigo das priscas eras ichsanas. Com um grande
abraço do, Jurandir Malerba. Mariana, 02/03/2007.”
Com um roupão bem surrado, que bem poderia ter pertencido ao Conde de Assumar
Com um roupão bem surrado, que bem poderia ter pertencido ao Conde de Assumar
Em, 2007, a outra pessoa que
revi, novamente depois outros mais de 10 anos foi o Professor José Arnaldo
(foto 11). Desta vez bati em sua porta,
na Rua Dom Silvério, ele estava com um roupão bem surrado, que bem poderia ter
pertencido ao Conde de Assumar, bebendo um uísque que ofereceu e eu não aceitei
e me arrependi depois, porque estava indo para o Seminário. Mas aí dentro de
sua casa, numa sala repleta de livros e chapéus e imagens e pinturas, também
dei de presente o livrão (no tamanho – que pesa de fato 1k100g e 564 páginas),
o mesmo que tinha dado para o Malerba, que eu, Antônio de Oliveira Mello e
Paulo Sérgio Moreira da Silva, tínhamos escrito e publicado em 2006, “Uma
História de exercício da democracia; 140 anos do legislativo patense.” Ficamos
de tomar umas mais tarde ou no dia seguinte. Outro desencontro.
Neste exato momento me recordei
de uma coisa que fiz, lá no início dos anos 80 e que o Zé Arnaldo não gostou.
Foi a primeira e última vez: chamei-o de “Bufalo Bill”. Outra coisa que dizem que ele não gostava e
não tinha: e-mail!
Em 2008, estive novamente em Ouro Preto e pensei que
ia encontrar-me com o Professor José Arnaldo no “I Seminário Internacional, Administrando impérios: Portugal e Brasil nos
séculos XVIII e XIX”, que aconteceu dos dias 17 a
19 de setembro de 2008, em Ouro Preto. Sobretudo porque um dos maiores
brasilianistas, Anthony John R. Russell-Wood (1939-2010, também num triste 13
de agosto), iria fazer a conferência de abertura e ele foi um dos estrangeiros
que mais deixou importantes estudos sobre Minas Gerais. Russell-Wood, também
levou “um tijolo” para os Estados Unidos, o livro do “Legislativo Patense”... Estava um frio infernal, se é que isso seja
possível, mas ele não foi lá. A
Marileide Lázara Cassoli, minha ex-colega de graduação foi, ela e Márcia Ferro
estavam lá. Acho que da minha geração,
Marileide é a que mais voltou a Ouro Preto e Mariana depois de mim.
No Scotch & Bar que fica na Rua Dom Silvério
No Scotch & Bar que fica na Rua Dom Silvério
Em 2010, lá estava eu de volta a Mariana. Desta vez levei um grupo para
Ouro Preto e depois os levei para passear no trenzinho da Vale até Mariana e
fiquei por lá mesmo. E de noite
encontrei-me com o José Arnaldo no Scotch & Bar que fica na Rua Dom
Silvério ao lado da Igreja Nossa Senhora do Carmo. (foto 12) Lá sentamos juntos com uns amigos dele que
estavam com seus filhos, uma filha da Hebe Rola e outras pessoas de seu
convívio social. Conversamos pouco, mas
nos divertimos muito, falamos de arte, artistas e bandidos em geral. Inclusive
cheguei trocar uma ou duas palavras com um filho de Celso Taveira outro
ex-professor do ICHS.
No ano seguinte, 2011, ano provavelmente um dos mais importantes para
José Arnaldo, não pelo fato de ele ter lançado mais um livro. Pois isso nunca
foi importante para ele. Mas porque, acredito, ele tenha concluído um projeto.
Um importante projeto. Eu não sabia do lançamento do livro.
Durante o dia, aquele alvissareiro dia 24 de junho de 2011, por acaso eu
estava em Mariana e tinha ido ao Banco do Brasil pegar uns trocados e quem vejo
na Rua Frei Durão: José Arnaldo. Ele agora havia trocado o seu macacão jeans
por um chapéu panamá e estava com o aspecto de um professor de História de
verdade.
Na Rua Frei Durão
Na Rua Frei Durão
Fotografei-o, sem que ele me visse e depois de nos encontrarmos
ele me levou para uma casa de queijos e frios onde ele encomendou alguns
queijos, embutidos e outras iguarias. Quando perguntei para ele se ia fazer
festa e se era seu aniversário, ele exultante, como sempre, respondeu: “Hoje
vou lançar um livro e você é meu convidado!”
“Tôca aparece lá no Museu da Música lá pelas 7 horas da noite.”
E eu compareci mesmo. O auditório
ficou lotado, ele fez um pequeno pronunciamento, agradeceu a Deus e ao mundo,
principalmente a Deus. Autografou dezenas de livros, “As novenas em Mariana”,
inclusive o meu: “Para Eduardo, eterno
monitor, com os abraços do, José Arnaldo. 24 de jun./11.”. E depois fomos consumir aquele vinho e
aqueles acepipes maravilhosos naquela noite inolvidável, para todos,
principalmente para ele. Despedi-me dele, sem saber que nunca mais o veria, nem
vivo nem morto. Toda aquela vida pela frente. Todos aqueles sonhos e projetos.
Este é o pórtico por onde todos teremos que passar. (fotos da noite de
autógrafo das Novenas)
Em 2012 retornei a Mariana, queria comentar com o José Arnaldo o livro das “Novenas”. Dividido em 14 livros, só li o primeiro, porque os outros são novenas... E aí pude constatar o que já sabia, José Arnaldo escreve muito bem, li como que ouvindo ele falar, claro e pausadamente, como um professor o faria. O assunto não é o que mais gosto, mas também não desgosto ou então não teria nenhuma afinidade com as cidades barrocas e suas obras de pura fé católica. Mas o pietismo tratado no livro não é o da religiosidade enquanto dogma, mas a religiosidade popular impregnada da forma mais pura e resignada dos católicos do povo desde o Sermão da Montanha. E, o prefácio lapidar e iluminado do Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho? E a dedicatória: “Para Josanne Guerra Simões, meu grande amor e dedicada companheira.”
Naquele ano, além de fazer aquele gratificante trabalho de guia, eu
também iria aproveitar e revisitar uma coisa que não existia mais em Mariana, a
extinta Capela de São Gonçalo que em seu entorno tinha sido um dos principais
núcleos urbanos do antigo arraial de Nossa Senhora do Carmo. Lá estive, e o que
restam do antigo templo onde o Bispo Dom Frei Manoel da Cruz se paramentou,
segundo o “Triunfo Eucarístico”, em 1748, para tomar posse de seu Bispado, é
somente a escadaria e o possível alicerce do que tinha sido a Capela. Achei aquela base muito pequena para o
templo. Mas ninguém soube me informar.
E ao perguntar sobre a antiga capela, um morador disse que residia ali há
quase trinta anos, mas não sabia de mais nada. Aproveitei e perguntei, como já
me referi, se ele conhecia o Professor José Arnaldo, pois fui à sua casa na Rua
Dom Silvério por duas vezes e não o encontrei. Então ele me informou que José
Arnaldo havia se mudado para a Rua Santana.
E na casa de José Arnaldo, que na verdade era uma rua que dava
continuidade à Rua Santana, a Rua Lucy de Moraes, fui recebido pela, Keka,
apelido que, aliás, o mesmo José Arnaldo usava para sua esposa, que me falou
que o José Arnaldo estava viajando.
Perguntei-lhe sobre o que o José Arnaldo estava pesquisando e ela
respondeu que ele agora está no Departamento de Museologia da Universidade
Federal de Ouro Preto, e que no momento pesquisava sobre o Ataíde. Deixei um
abraço para ele e fui embora. Ainda tive tempo de passar pelo cemitério de
Santana e bater um papo com o Alphonsus de Guimarães e ainda aproveitei, que a
Capela de Santana estava aberta e corri os olhos mais uma vez naquela
indescritível e bela capela-mor barroca, tão ignorada.
E no ano de 2013, naquele agosto, como disse no início desta longa
homenagem, a noite ficou mais
escura, fria e ameaçadoramente interminável. Mas temos que seguir. E como disse o soturno, mas confiante Atahualpa
Yupanqui,
Pa que nadie quede atrás
...
Nos perdemos por el mundo
Nos volvemos a encontrar...
TESTAMENTO PARA ATAÍDE
José Arnaldo Coêlho de Aguiar Lima como todo ser humano foi não só uma
obra prima, mas uma obra única, inigualável e inimitável. Incomparável. Mas sem
saber como encerrar esta homenagem, não tenho receio de imitar, no mesmo
sentido que o artista barroco, tentando não plagiar de todo, cometendo este
pequeno pecado para tentar acertar nesta despedida ao amigo.
O imortal autor de “Zorba, o grego”, o escritor grego, Nikos
Kazantzakis (1883-1957), não que ele precisasse, conscientemente quis prestar suas
últimas contas ao pintor grego seu conterrâneo, El Greco (1541-1614), ambos
nascidos na mesma cidade Heraclião, na Ilha de Creta, e fez isso em sua última
obra, “Testamento para El Greco” (1957).
José Arnaldo ao participar da gravação do documentário “Sob o céu de Ataíde”[3],
inconscientemente, eu considero que à maneira do imortal escritor grego, fez o
seu “Testamento para Ataíde”. Não só a Ataíde, mas a todos os artistas dos
setecentos e oitocentos mineiros, brasileiros antes de tudo. Todos, porque na
arte das capelas e na arquitetura civil e militar, mesmo a despeito da
genialidade de um ou de outro, não existia lugar para a individualidade na
execução dos trabalhos. José Arnaldo, com este legado inventaria possibilidades
da arte de Ataíde e nos deixa neste testamento um testemunho de uma vida
inteira de pesquisas infelizmente inacabadas!
Na série de quatro vídeos espetaculares, os seguintes especialistas
explicam Manoel da Costa Ataíde, pintor nascido em Mariana em 1762 e falecido
na mesma cidade 1830: Adalgisa Arantes Campos, professora do Departamento de
História da UFMG; Beatriz Coelho, restauradora e professora emérita da UFMG;
Carlos Magno Araújo, restaurador (inclusive foi meu colega de graduação no ICHS
e aluno do Zé); Ivo Porto de Meneses, professor emérito da UFMG; José Arnaldo
Coêlho de Aguiar Lima, professor do DEMUL/UFOP; Luciomar Sebastião de Jesus, escultor;
Públio Athayde, historiador (também foi meu colega de graduação no ICHS e aluno
do Zé) e alguém que não foi identificado corretamente.
Os estudiosos da obra de Ataíde deste documentário, falam das obras que
ele executou e hoje se encontram em Mariana (Sé e Rosário); Ouro Preto (Carmo,
São Miguel e Almas, Museu dos Inconfidentes, Museu do Oratório e São Francisco
de Assis), Santa Bárbara, Itaverava, Catas Altas, Caraça e Ouro Branco. José Arnaldo não faz nenhuma intervenção
sobre sua obra nesta cidade de Ouro Branco. As intervenções ou comentários de
José Arnaldo foram feitos partindo da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto ou pessoalmente nos locais onde se
encontram as obras de Ataíde, assim ele esteve pessoalmente em todas as cidades
dos seus comentários.
O TESTAMENTO PARA ATAÍDE: SOB O
CÉU DE ATAÍDE
Da Igreja São Francisco de Assis de Ouro Preto
Transcrição[4]
Sob o céu de Ataíde - Primeiro Episódio - Bem Cultural - Parte 1
1ª Intervenção (Da Igreja São Francisco de Assis de
Ouro Preto-MG). Apresentação
Fala: Provavelmente Manoel da Costa Ataíde era um
homem comum, um homem comum das Minas daquele período. Alferes da cavalaria, o
que significava ter um emprego fixo, e ter um salário.
2ª Intervenção (Mariana –
Rua Dom Silvério).
Fala: Mariana é a cidade
onde ele passa a maior parte da vida dele. Ele nasce em Mariana e morre em Mariana. Apesar de
ter morado em algumas outras cidades, enquanto exercia a tarefa de pintor e
mesmo sendo alferes, né? O lugar dele, a residência dele é, o ponto fixo dele é
Mariana.
3ª Intervenção (Igreja
Catedral da Sé em Mariana-MG).
Fala: Estamos na Catedral
Basílica de Nossa Senhora da Assunção em Mariana, na nave dessa Catedral, aonde
atrás de mim existe um desses mobiliários dos mais interessantes construídos
ainda no final do século XVIII. É o tapavento, que tinha uma função muito
específica naquela época, que era justamente impedir que o vento entrasse e apagasse
as velas acessas aqui dentro. E esse especificamente tem esse travamento
belíssimo que são alguns painéis com pinturas em sanguínea da lavra provável do
Manoel da Costa Ataíde. Com essas paisagens urbanas europeias que deve ter
chegado aqui através de gravuras, de missais. Serviam de pano de fundo ao
cenário para algumas dessas cenas sacras e que ele provavelmente recortou
aquilo e usou para a decoração dessa..., desse móvel. Na nave existe ainda o
altar de Nossa Senhora Aparecida que provavelmente o fundo do camarim também é
de autoria dele.
4ª Intervenção (Igreja
Catedral da Sé em Mariana-MG).
Fala: Estamos no batistério
da Catedral Basílica de Nossa Senhora da Assunção, onde encontra-se, né? Uma
das mais belas telas de Manoel da Costa Ataíde. É uma cena de São João Batista
as margens de um suposto Rio Jordão, num é? Tendo ao fundo uma Jerusalém
imaginada. É. Não é uma obra documentada. O que nos faz acreditar que seja uma
obra de Ataíde, além de outras coisas, é justamente a tradição marianense em
atribuir a ele essa pintura.
5ª Intervenção (Igreja de
São Francisco de Assis – Mariana-MG)
Fala: Estamos na Capela de
Nossa Senhora da Conceição da venerável Ordem Terceira de São Francisco da
Penitência. Estamos na nave, onde temos o altar de Santa Izabel, que é pintado
e dourada por ele. Mais atrás, na Capela Mor, o grande altar que também é
pintado e dourado por ele. Aqui nessa nave também, na entrada, debaixo do Coro,
é possível vermos o lugar onde ele foi enterrado. A Campa, onde ele se
encontra. Mais antiga referência ao nome do Ataíde aqui nessa capela, são
justamente quando ele faz a encarnação de três imagens de Nosso Senhor Jesus
Cristo, que saiam em procissões e que até hoje ornamentam os passos que são
abertos durante a Semana Santa. É o Cristo da Coluna, e... o Ecce homo, e o Cristo da Cana Verde. Na sacristia
também temos dois grandes painéis que ornamentam o forro, representando o
concerto celestial e uma das sagradas conversações entre São Francisco e o
Nosso Senhor Jesus Cristo.
6ª Intervenção (Igreja de
São Francisco de Assis – Mariana-MG)
Fala: Olha são duas cenas
que nos remetem ao final da vida dos santos. Uma é a sagrada conversação e o
outro é o concerto celestial. O santo quando morre, tem-se noticia, que
escuta-se pelas redondezas e pelo lugar
da morte dele uma música, que não vem de lugar nenhum. Uma música que vem do Céu,
então é esse concerto celestial que temos aí.
7ª Intervenção (Igreja de
Nossa Senhora do Rosário – Mariana-MG)
Fala: Esta é, a Capela de
Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Mariana. Nela também temos obra
de Manoel da Costa Ataíde, que trabalhou na capela-mor fazendo pintura e
douramento dos retábulos, das tribunas, e toda pintura do forro desse espaço. É
o único forro documentado dele. Existem os contratos, existem todos os recibos
e também um processo cível que Manoel da Costa Ataíde move contra essa
irmandade porque ela não o paga pela sua última prestação [ri] e é nessa ação
que ele fala o que ele tinha feito aqui dentro. Ele escreve isso, finas tintas,
finas cores, elaborada arquitetura e valente perspectiva, né? Valente pintura.
Sob o céu de Ataíde - Primeiro Episódio - Bem
Cultural - Parte 2
8ª Intervenção (Igreja
Matriz de Santo Antônio em
Santa Bárbara – MG)
Fala: Estamos nesse momento
dentro da Matriz de Santo Antônio em Santa Bárbara, Ataíde, a sua interferência se
restringe a área da capela-mor, com recibos e documentação datadas de
1806/1807, aonde então ele pinta as ilhargas da capela-mor, o camarim do altar-mor,
e o fundo dos nichos deste mesmo altar, o teto dessa mesma capela-mor e inúmeros ramalhetes e
florzinhas que decoram tudo isso. Mais os dois grandes painéis narrando a
História do Filho Pródigo. Olha isso já é final da vida dele. A impressão que
nós temos é que quando ele vem prá Santa Bárbara, Catas Altas e o Caraça, ele
já tá em fim de carreira, já tá com aproximadamente seus cinquenta e tantos anos,
né? O que faz com que essa pintura seja de muito melhor qualidade.
9ª Intervenção (Igreja
Matriz de Santo Antônio em Itaverava – MG)
Fala: Aqui em Itaverava, na
Igreja Matriz de Santo Antônio encontra-se mais um desses forros pintados por
Manoel da Costa Ataíde. Provavelmente, essa pintura é aquela mais distante do
seu centro de origem, mais distante, portanto de Mariana e de Ouro Preto,
lugares em que sabidamente ele trabalhou e em grande proporção. Essa pintura
localiza-se no forro da capela-mor. Existe aqui também uma outra pintura, no
fundo de um oratório, onde hoje funciona uma capela do Santíssimo.
10ª Intervenção (Igreja de Nossa
Senhora do Carmo em Ouro
Preto – MG)
Fala: Estamos na sacristia
da Capela da Beata Virgem Maria do Monte Carmelo em Ouro Preto, aonde temos
algumas obras de autoria do Manoel da Costa Ataíde. O douramento do altar-mor,
o douramento dos altares da nave, e aqui na capela-mor, o douramento da enorme
pia, um enorme lavabo, da sacristia, muito bonito, num é? E no oratório que
também é de primeiríssima qualidade de execução. Também é do Ataíde as pinturas,
os ramalhetes e alguns emblemas encontrados nos aparadores, nos guarda pós.
11ª Intervenção (Igreja São
Miguel e Almas em Ouro
Preto – MG)
Fala: Estamos numa capela da Irmandade de São
Miguel e Almas, dedicada ao Senhor Bom Jesus de Matozinhos, cuja tradição é
justamente representar as vias sacras. Aqui na nave nós temos duas enormes
telas de Manoel da Costa Ataíde representando justamente dois desses momentos
da via sacra. O momento inicial, que é a Última Ceia. E aqui essa Última Ceia é
resolvida, temos rococós de muito boa qualidade e uma das últimas cenas dessa
via sacra que é a cena em
que Jesus é pregado a cruz.
12ª Intervenção (Da Igreja São Francisco de Assis de Ouro
Preto-MG)
Fala: Não existia naquele
momento em Minas Gerais
e de resto no país, num é? Nenhuma escola, nenhuma instituição que pudesse
estar vinculada a formação desses profissionais.
13ª Intervenção (Da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto-MG
Fala: O próprio caso de
Ataíde, por exemplo, eu imagino que ele aprendeu vendo, outras pessoas fazendo
aquilo que depois ele veio a fazer com maior maestria.
14ª Intervenção (Igreja São
Francisco de Assis em
Ouro Preto-MG).
Fala: O teto da nave da Capela de Nossa
Senhora Rainha dos Anjos de Ouro Preto, é justamente essa celebração de Nossa
Senhora Rainha. É uma das invocações, é um dos inúmeros títulos que ela
ostenta. No momento da sua coroação de estrelas e Ataíde põem nesses anjos as
representações de músicos. Todos os quadros são dele, é que é....são duas cenas
do Novo Testamento. A cena do lava pés, e aqui a cena da Última Ceia. Todo o douramento,
toda policromia, imitando mármore, imitando pedra, decorativa nesse altar. São também de autoria
dele.
Sob o céu de Ataíde - Segundo Episódio - Bem Cultural - Parte 1
15ª Intervenção (Da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto-MG).
Fala: Manoel da Costa Ataíde
como homem do seu tempo, procura fazer parte de todas as mais importantes
irmandades existentes naquele lugar, naquele período. Faz parte do cotidiano
deles ter essas filiações, ter essas penetrações nessas organizações
religiosas. Ao mesmo tempo procurando salvar obviamente a sua alma do inferno,
não é? E ao mesmo tempo buscando, me parece no caso de Ataíde, oportunidade de
trabalho. Eu fico pensando, fico imaginando que Minas Gerais no século XVIII se
movia muito em função da vida religiosa. Todas as festas, todos os
acontecimentos de uma maneira ou de outra ou se originavam ou passavam pelas
estruturas religiosas.
16ª Intervenção (Da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto-MG).
Fala: A igreja é a grande
patrocinadora da obra de arte. Seja ela arquitetônica, escultórica, pictórica,
musical, literária, uma vez que sermões, música e a própria ornamentação era
paga e era patrocinada por ela.
17ª Intervenção (Museu da
Inconfidência em Ouro
Preto-MG).
Fala: Estamos no Museu da
Inconfidência, na sala dedicada a Manoel da Costa Ataíde, onde temos duas
pinturas de cavaletes das mais importantes da lavra dele. Uma Nossa Senhora do
Carmo entregando a São Simão Stock o escapulário da ordem, e uma cena de cruz
as costas, que pertence a série de quadros da Paixão de Cristo que compunham
uma via sacra que existia nessas cidades coloniais. São duas obras atribuídas
pela tradição de Ouro Preto e Mariana. Gerações de Carmelitas ... passam essa
informação de pai para filho e se mantém inalterada até hoje.
18ª Intervenção (Da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto-MG).
Fala: São cores que
percorrem o rococó europeu e que percorrem o rococó no Brasil de maneira geral.
19ª Intervenção (Museu do
Oratório em Ouro
Preto-MG).
Fala: Estamos no Museu do
Oratório do Instituto Flávio Gutierrez em Ouro Preto, onde também temos duas obras
atribuídas a Manoel da Costa Ataíde. Uma, uma atribuição mais antiga que é esse
requintadíssimo oratório, em
rocalha. Esse oratório outro, do Francisco Vieira Servas, uma
atribuição mais recente. O oratório nos remete sempre à questão do altar maior,
é como se houvesse a possibilidade de levar para casa aquilo que acontecia ao
nível das grandes capelas e das igrejas matrizes.
20ª Intervenção (Da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto-MG).
Fala: Uma outra coisa que
Ataíde faz com maestria é essa arquitetura ilusória que dá sustentação aos
quadros, aos medalhões centrais, as visões celestiais desses painéis.
21ª Intervenção (Igreja São
Francisco de Assis em
Ouro Preto-MG).
Fala: Há um estilo Ataíde de pintar pessoas. A
orelha, por exemplo, é bipartida em dois blocos, os olhos, geralmente a
esclerótica é muito acentuada.
Sob o céu de Ataíde - Segundo Episódio - Bem Cultural - Parte 2
22ª Intervenção (Da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto-MG).
Fala: Esses quadros centrais
dessas pinturas são extraídas de gravuras contidas nesse material impresso de
uso cotidiano da Igreja. Um vigário, um capelão ou mesmo uma irmandade não ia
se arriscar é...a cometer por exemplo, heresias, então ao pintor daquele
momento não cabe isso que a gente concebe, que a gente denomina criação não é?
Ele tem diante dele uma encomenda.
23ª Intervenção (Da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto-MG).
Fala: A tradição diz que ele
usava seus próprios filhos e a sua própria mulher como modelo para essas Nossas
Senhoras, essas Virgens, esses anjos e querubins.
24ª Intervenção (Igreja
Nossa de Senhora da Conceição em
Catas Altas do Mato Dentro MG).
Fala: Esta é a Igreja Matriz
de Nossa Senhora da Conceição em
Catas Altas do Mato Dentro. Uma dessas grandes matrizes
construídas ainda na primeira metade do século XVIII, em Minas Gerais. É. A
decoração do arco do cruzeiro é composta por quatro painéis, com os quatro
doutores da Igreja Ocidental. Também é da autoria de Manoel da Costa Ataíde a
pintura dos dois grandes anjos tocheiros que ficavam na Capela Mor e que hoje
estão juntos ao Altar de São Miguel e Almas.
25 ª Intervenção (Da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto-MG).
Fala: Em termos técnicos, o
que se sabe, é que ele usava da têmpera para fazer todas essas pinturas, alguma
muito pouca coisa em óleo caro, por ser muito caro e ser muito difícil de ser
obtido naquele momento.
26ª Intervenção (Da Igreja
São Francisco de Assis de Ouro Preto-MG).
Fala: Ele provavelmente
usava da técnica de ampliar os desenhos e perfurar papéis. Levar esses papéis
perfurados até o teto e com uma boneca de carvão, transferir o desenho para a
superfície branca.
27ª Intervenção (Igreja de
Nossa Senhora Mãe dos Homens em Caraça-MG).
Fala: Estamos na Capela de
Nossa Senhora Mãe dos Homens, antigo Hospício localizado nas faldas do Caraça,
por onde Manoel da Costa Ataíde trabalhou nos primeiros anos do século XIX.
Trabalhou aqui como pintor e dourador dos retábulos e da decoração interna de
uma antiga capela que aqui existia. Necessariamente nesta ordem ele faz mais
dois trabalhos. O retrato do irmão Lourenço, fundador da casa, e a grande Ceia,
né? Que estamos vendo agora.
José Eduardo de Oliveira[5]
Patos de Minas, de 14 a 20.07.2014
POSTSCRIPTUM – 2014
Em
agosto de 2014, exatamente um ano depois da morte de Zé Arnaldo, voltei a
Mariana. E trouxe comigo este escrito que distribui para algumas pessoas.
Dentre as quais, Keka, o Carlos Alberto do Rancho, o Toninho do ICHS, um aluno
do mesmo lugar, o Renato Baeta de Ouro Preto e ex-colega de ICHS (inclusive
pedi que ele deixasse um exemplar com a Marisa, caso a encontrasse...), na
Pousada que pertence à mãe da Guiomar de Grammont, uma para a filha da Hebe
Rola e com mais uma ou duas pessoas de Mariana.
E
voltei novamente na casa onde José Arnaldo morava, desta vez encontrei-me com a
Keka, expressei meus tardios sentimentos e conversamos um pouco sobre algumas
coisas e sobre o Zé.
Keka
falou-me que infelizmente teve que se desfazer de vários pertences de Zé
Arnaldo, que tinha o hábito de guardar tudo que fizesse parte de seu cotidiano,
suas aulas, suas viagens (como eu, como passagens, folders, objetos diversos
etc.). Inclusive, na porta de sua casa,
no lixo, pude de relance ver um livro velho de história da arte, papeis e
agendas que possivelmente não tinham nenhuma utilidade para ele e que
provavelmente para ela e para ninguém, menos ainda. Mas eram preservados como
uma apreensão real/irreal da memória das coisas vividas. Conheço uma senhora que irá fazer o mesmo com
a minha “síndrome de Diógenes seleta” ou um colecionismo compulsivo dos
fragmentos da vida cultural. Eufemismo
para lixo.
Depois,
fui ao Cemitério de Santana, que tirando a alameda principal, onde se encontra
o túmulo de Alphonsus de
Guimaraens (1870-1921), mais parece um sítio
arqueológico de sambaqui, só que composto de um amontoado de túmulos humanos,
quase um sobre os outros, marcados com cruzes, nomes e inscrições. Para visitar
um túmulo, temos que pisar sobre vários e tomar cuidado para não cair em alguma
vala aberta e ficar ali antes da hora...
O do Zé trazia a seguinte inscrição na placa sobre a fria
lápide: “JOSÉ ARNALDO COÊLHO DE AGUIAR LIMA *24-02-1956 + 10-08-2013 -- EUGE, SERVE BONE, IN MODICO FIDELIS, INTRA IN
GAUDIUM DOMINI TUI (Mateus 25,20) -- MAGISTER CARISSIME -- PAZ TECUM.
Traduzindo a primeira sentença do epitáfio de uma Bíblia das Edições Paulinas,
que quer dizer o seguinte: “Seu senhor disse-lhe: Está bem, servo bom e fiel, já que fôste fiel
em poucas coisas, dar-te-ei a intendência de muitas; entra no gôzo de teu senhor.” As outras, “Caríssimo Mestre” e “A
Paz esteja contigo”.
Depois do cemitério fui ao ICHS, quase outro cemitério naquela manhã tão esquisita e confusa. Lá encontrei-me novamente com o Toninho, entreguei-lhe este escrito, trocamos algumas palavras. E como não havia ainda conversado sobre a morte do Zé Arnaldo, ele disse-me que nos seus últimos dias, José Arnaldo não estava muito satisfeito com a sua transferência para o Departamento de Museologia da Universidade Federal de Ouro Preto. Eu tinha pensado exatamente o contrário. Mas agora quem saberá?
P.S – 2015
Isso
que estou escrevendo e parando por aqui, não é um diário, nem outra coisa
qualquer. Nem lamentos, nem uma cruz que carrego. Deixei há muito tempo de rezar e acreditar em
ressureição e milagres. Apenas escrevo,
mal, mas escrevo.
Em
julho de 2015, voltei a Mariana e Ouro Preto e de troco estive em Sabará. Belo
Horizonte é só uma pinguela no roteiro, prestes a despencar no vazio. Amo estas
lacunas depredadas no tempo e neste espaço tão barulhentos e sujos. Amo estas
cidades que inconscientemente e cruelmente nos lembram o que fomos, o que somos
e o que seremos: escombros. E como disse o velho B.B., “Destas cidades só
restará o que passa através delas, o vento”.
Fui ao
Rancho, o Carlos, disse que não leu esta coisa. “Muito grande”. Ele não foi sincero, queria dizer: “Muito
chato e sem pé e sem cabeça”. Compreendi, pois ali a comida e a bebidas, são as
melhores desde antes de Salvador Furtado de Mendonça acender uma fogueira à
margens do Ribeirão do Carmo. Não me
encontrei com ninguém conhecido do passado do ICHS. Só com o que restam dos
campanários, dos frontispícios e dos seixos das ruas esburacadas, sobretudo de
Mariana. Em Ouro Preto, entrei pela primeira vez na Igreja Nossa Senhora do
Rosário, pois ela sempre esteve fechada. Tinha até um casal patense lá! Prefiro
não comentar para não estragar a magia que aquele templo desencadeou em mim.
De
noite, voltei ao Bar das Coxinhas, o Bar Barroco, só que agora na Barra. O
Antônio estava lá, as coxinhas e os seres humanos em regozijo etílico também,
como se o mundo fosse acabar naquele instante. Mas não acabou só criou um outro
de ressacas e mais ressacas. Noutro dia, ou melhor, outra noite, estive no
Chopp Real, na curva da virada, entre a Praça Tiradentes, o Palácio dos
Governadores e o caminho infinito para Mariana. Neste bar, o André e sua banda,
faz o possível e o impossível para nos servir bem e consegue!
Depois,
em minhas andanças em Mariana, perto do Museu da Música, antigo Palácio dos
Bispos, conversando com um escultor, Mestre Paiva, ao falar que eu conhecia
José Arnaldo, ele ficou emocionado, dizendo que eles foram amigos e que gostava
muito dele. Disse também que o Zé não havia gostado de ter saído de Mariana
para trabalhar...
Mas,
como escreveu o Karl M.: “Que os mortos
enterrem seus mortos e os chorem!”
Patos de Minas - 29.07.15
P.S – 2016
Estive
novamente em Mariana em junho. Lá refiz os mesmo roteiros, quer dizer os mesmos
bares e as mesmas igrejas, ruas e corrubianas de Ouro Preto e Mariana. Dos conhecidos do ICHS, além do
Toninho, encontrei-me com Hebe Rola.
Estive
também em Bento Rodrigues, (16.06) prefiro não descrever o indescritível.
Voltei
em outubro, mas não sabia, que novas ruinas e escombros estavam em gestação,
como diria o velho Santo Agostinho... “meu coração que se apegara a ela,
despedaçado e ferido deixou um rasto de sangue. Mas minha ferida, gerada pela
separação anterior, não sarava: ao contrário, depois da inflamação e de uma dor
mais intensa, gangrenava, e doía de maneira mais fria, por assim dizer, porém
mais desesperada..." in: Confessiones, VI. XV, 25
Patos
de Minas – 20.06.16
P.S
– 2017
Neste ano, ciceroneado mais uma vez, por
Manuel Bandeira, estive novamente em Mariana e Ouro Preto, em janeiro e junho.
Um novo e inquietante mundo barroco foi talhado, não no cedro e nem na
esteatita, mas no bronze de carne humana. Como a herma da casa do Ouvidor...Uma
imaginária grotesca e triste. Mas sobrevivi às ladeiras, aos anjos e demônios e
a mim mesmo. A cidade estava ali agora contemplada sem concorrência e sem
ilusões...
Patos de Minas, 18.06.17
P.S
– 2018
Em fins de janeiro deste ano, voltei em Mariana e Ouro Preto,
hospedei-me no Brumas Hostel, e apesar do veranico infernal, foram três dias de
uma peregrinação a inúmeros lugares sagrados e profanos, inclusive a Congonhas,
onde Ataíde também esteve, e apesar da descrença e da nostalgia, não pelo
passado, mas pelo presente como se eu estivesse ali com uma cruz incandescente
num calvário sob o olhar misericordioso e inútil daquele Cristo de cedro, pelas
cruéis advertências daqueles profetas de esteatita e pela memória de alguém que trilhou também
aquele sacro monte de pedras e madeira esculpida, a mesma paixão, sem morte e
sem ressureição, depositei um ex-voto paradoxalmente para o esquecimento,
envolto em uma bruma ancestral, sufocante e invisível, ainda que
resignada. Resignada? [ANEXO II]
E depois, ao acaso adquiri na Estante
Virtual a revista Barroco 20 – ano 2012-2013. A obra chegou no dia 07.02.18.
Diante da descoberta da publicação póstuma do texto de José Arnaldo, “In Nativitate Domini, ou sic transit gloria Mundi,
ou duas questões sobre a luz., nesta revista senti-me na obrigação de fazer esta
citação neste opúsculo...
Patos de Minas, 07.02.18
The end?
FOTO: FÁTIMA PINTO COELHO. In: Catas Altas do Matto
Dentro Minas Gerais. Rio de Janeiro: Barléu Edições, 2018. P. 22
ANEXO II
Poderia ter sido em sonho, mas não foi. Ou foi? Você
silenciosamente se afastou e penetrou pungida, mas calma e determinada naquela
“sala dos milagres” do Santuário de Senhor Bom Jesus de Matosinhos em
Congonhas. Estava frio, mas podia-se vislumbrar do adro junto aos profetas onde
me encontrava perplexo, o calor que exalava de seu corpo, de sua aura e de sua
fé quando se dirigia para o oratório dos que ainda tinham esperanças. Qual fé?
A verdadeira de quem acredita que uma oração pura e pia irá se transformar em
um milagre? Ou a fé que você transportou por quilômetros porque sua amada mãe e
você se encontravam aflitas por causa de seu irmão e como ela não pode vir,
você trouxe e depositaria naquela sala dos desesperançados e desgraçados, um pedido de graça, um voto e um milagre?
Aquele nicho sagrado comprovava através dos inúmeros ex-votos os milagres e as
graças concedidas aos enfermos, aos descrentes que creram, aos que pediram e
foram atendidos. Naquele momento, diante
de seu gesto inusitado e sublime, eu mesmo um descrente antigo, quase acreditei
que existia a possibilidade de algum milagre. Quase me converti, ou, de alguma
forma por alguns instantes, fui iluminado com a sua atitude que trouxe em
segredo...que promessa fez? Foi o que a sua
mãe pediu? Ou foi você mesma? (Nunca perguntei, eu acho) E o que mais dilacera
o meu peito, agora, hoje, neste momento é que naqueles dias, já teria ocorrido
neste seu coraçãozinho atormentado outra conversão, outras conversões? Ou não? E o pior de tudo, seja lá que pedido
ou que graça pediu, ainda não foi atendida! Será? ... Cada vez se torna mais
espessa a corrubiana de minha existência...e não estou conseguindo discernir as
coisas do passado e do presente. Quem sabe eu precise também voltar lá e implorar
ao Senhor Bom Jesus que pelo menos me faça esquecer. Esta seria paradoxalmente
a minha súplica: esquecer. A minha aflição, a minha angústia, a minha doença: a
memória do que aconteceu, como aconteceu, porque aconteceu. Mesmo sabendo que
aqueles ex-votos daquela sala foram feitos para lembrar e agradecer um milagre
e não para esquecer. E que ex-voto eu traria depois se houvesse o milagre?
Talvez esse seja um milagre impossível, o maior de todos os milagres - te esquecer - e eu
estaria redimido e salvo. Um coração esculpido ou pintado? Requiem aeternam dona eis...
Obrigada por tanta preciosidade em um texto! Fiquei realmente feliz com a leitura e me aqueceu o coração com as lembranças do Zé.
ResponderExcluirAs melhores coisas de nosso passado, além é claro de tê-lo vivido intensamente, é nos recordarmos das pessoas que fizeram parte dele. obrigado.
ExcluirSaudade
ResponderExcluirAs melhores coisas de nosso passado, além é claro de tê-lo vivido intensamente, é nos recordarmos das pessoas que fizeram parte dele. mesmo que algumas pessoas nos esqueçam... obrigado.
ExcluirMinha maior lição do Zé Arnaldo não foi dentro da sala de aula. Sou aluno da turma 08.2 de História da UFOP. Tive o prazer de conhecê-lo e me sentir entre um dos seus preferidos (porque no final ele tinha o dom de fazer com que todos assim se sentissem, incrível). Quando entrei na papelaria para comprar uma caneta ou algo do tipo, levei um imenso tapa na nuca. Eu tinha uns cento e dez quilos e 1,90 de altura. Virei como um urso, mas me desfiz num sorriso quando vi que era o professor "Ô, Zé! Que susto!". O olhar dele não era doce, tinha um quê de indignado: "Ô, caboclin, quando vc entra num lugar tem que dar um bom dia, um boa tarde ou boa noite e cumprimentar todo mundo, inclusive quem te atende, porque ninguém é obrigado a te tratar bem só porque é você quem está pagando, não". Eu entendi. Ele logo me fez um sorriso e me abraçou pelo ombro. Eu entendi, Zé. Eu entendi.
ResponderExcluirAs melhores coisas de nosso passado, além é claro de tê-lo vivido intensamente, é nos recordarmos das pessoas que fizeram parte dele. obrigado.
ExcluirHaha, já havia esquecido da história de meu "esquecimento" em Ouro Preto. Muito bom, Eduardo! Texto para degustar devagarinho. Abração!
ResponderExcluirAs melhores coisas de nosso passado, além é claro de tê-lo vivido intensamente, é nos recordarmos das pessoas que fizeram parte dele. obrigado.
ExcluirMeu amigo, eu reconheço que não consegui ler dois parágrafos sem vir as lágrimas.
ResponderExcluirObrigado. A cada dia vou degustar um pouco de seu texto sobre uma das pessoas mais incríveis que tive ao meu lado.
Obrigado.