sábado, 27 de março de 2021

RÉQUIEM PARA WANDÃO

 

 

RÉQUIEM PARA WANDÃO

 

José Eduardo de Oliveira

 

O poeta patense Wander Porto, morreu hoje.  26 de março. As palavras podem dizer isso calorosamente como uma declaração de amor, um poema, ou gravadas numa lápide fria de um campo santo qualquer.

Escrever um necrológio é a pior tarefa do mundo, mesmo que seja a última homenagem para quem não se encontra mais e nunca mais, em nossos convívios.

Nesses tempos de desolação e perdas cotidianas. Para completar ainda mais morre um poeta. Um amigo.

Mas os homens ocos permanecem, emocionado demais aqui, citando T. S. Eliot: “Nós somos os homens ocos/os homens empalhados/uns nos outros amparados/...nossas vozes dessecadas.”

Tantos filhos-das-putas que deveriam morrer e não morrem. Morre um poeta.

Nosso maior poeta, nosso maior cantor, que transformou em canções nossos gritos de amor e ódio, nossos escombros, nossos entulhos. Nossa sede de viver. Nossas musas reais e oníricas. Nossos desejos. Nossa pureza e nossa loucura.

O poeta é a nossa voz.

Isso não é uma biografia é um necrológio. Um elogio fúnebre.

Sei que morreu em Belo Horizonte, não sei a hora.

E o que isso interessa. Agora.

Minha convivência com ele não foi constante. E nem precisava.

Via-o de vez em quando. Minha mãe é vizinha de sua ex-mulher, Ana Maria e ele vinha sempre visitar a filha Fernanda e a neta Isadora. Não precisava mais nada.

Nossa existência nos tornava eternos.

 

Ah! Escrever essas palavras me deixa mudo.

 

Mas a melhor homenagem é a que se faz com o poeta vivo, e eu fiz isso, e relato, transcrevendo aqui, o que escrevi em 30 de junho de 2000 no Jornal Folha Patense:

 

SOPRO DA MADRUGADA

 

“Às cinco da manhã a angústia se veste de branco...”

Vinícius de Moraes

 

Foi numa madrugada de maio, no Mezanino, o lançamento do livro, Sopro da Madrugada, de Wander Porto, o Wandão. Cheguei de madrugada e muitos convivas já haviam se retirado para suas madrugadas.  O prefeito foi um dos últimos que vi na rua deserta e fria.

No Mezanino, o poeta estava exultante, magnânimo e simples. O seu conluio com Baco, os últimos convivas e a madrugada, era perfeito. “Eduardo, tenho certeza que sentimos os mesmo aromas, obrigado”, foi sua dedicatória. Aí, fiz a pergunta, mais banal e profunda, já que eu queria a alma do poeta e do livro: “Qual dos poemas...poeta... qual deles você gosta mais?”. 

O poeta pediu licença e desculpas, mas gostava de todos - o que é óbvio.  No entanto leu, ou melhor, pediu que eu lesse “Madrigal”. Depois leu “Matilha”.

Mas antes de “...adivinhar o sol..”, corri os olhos pelo ambiente do restaurante e pelos habitantes daquela caverna e senti o sopro e o cheiro dos que ali estavam e o dos que foram embora pela madrugada: algumas Claudias foram-se embora, outras ficaram, o mesmo se pode dizer das Marlenes.  Mas Brício, só um.  Paulão idem. E as Marias? A mulher que não procurava, estava em outras madrugadas, cálidas. As Valquírias foram para suas valhalas. Os músicos estavam ali, porque de madrugada a música e o silêncio compõe o “sopro da madrugada”, tanto quanto um grito de orgasmo ou de solidão.  O sopro da madrugada, cada um tem ou recebe o seu, mas são os poetas, como o Wandão é que decifram suas filigranas abissais.

Cada um tem  sua madrugada e suas brumas. Eu tinha um amigo, que dizia: “Na minha terra, onze horas da noite, ainda é de dia...”.  E o poeta sabe muito bem, que poderia cantar o bafo do dia.  Ou o hálito do amanhecer... Mas sua matéria-prima no momento, é a madrugada  e suas forças telúricas. As madrugadas: as libações, os versos, as insônias e o sexo. Não necessariamente nesta ordem.

Aliás, são nas madrugadas, e o poeta, nos ensina, “nos sopros da madrugada”, é que catamos os cheiros das musas.  Das deusas, e mesmo das lúbricas e “idolatradas” mineiras. Também internetamos certezas poetais.

E também, Wandão, não sei se é bom ou ruim: as madrugadas te pertencem, e nelas você pode se sentir “só e dono”.  Parabéns, mais uma vez, pelas palavras e canções com que nos ofertou.

Poeta vou ficando por aqui, amanhece.  E nós sabemos, que a madrugada trás a luz, o dia e a vida necessária, gestada no “sopro da madruga” dessas noites paranaíbas...”

 

 Alguém mais lúcido, ou um critico literário mais competente seguramente irá ser seu biógrafo ou escrever alguma coisa digna dele. Mas ele nunca irá ler. Nunca.

Tenho três livros dele: “- muito prazer todo meu!” de 1992, “Sopro da madrugada.”, de 2000, com a seguinte dedicatória: “Eduardo, tenho certeza que sentimos os mesmo aromas, obrigado”.  E, “Enquanto a banda tocava um blues.", de 2019. Sei que participou de várias antologias e foi também autor, ou coautor de letras de músicas, cito aqui algumas, “Qualquer ruído”, com Dalla; “Rio dos Peixes”, com Marcel de Brot e “Calado”, com Eduardo Barcelos. E inúmeros prêmios.

Mas também nos premiou, premiou a cidade, sua gigantesca estatura física – dai ser chamado de Wandão - sempre foi minúscula, diminuta diante de sua estatura humana. Vate dos vates.

 

E infelizmente, e para onde for irá nos perdoar, te trairemos, eu e os inúmeros amigos e amigas que deixou no meio do caminho e não executaremos sua última vontade  expressa em seu testamento poético impresso com fogo e galhofa, galhofa poética, digna de um Bandeira, em seu último livro, ‘”Enquanto a banda tocava um blues” que foi:

 

“QUANDO EU MORRER...

 

Por favor, me enterrem peladão e doem minhas vestes aos que temem a solidão e tremem com o frio e a indiferença das pessoas, dos governos, das máquina e dos deuses...”

 

Poeta vá com calma, o Panteão te espera, e lá seguramente, é melhor que Pasárgada e não tem lei-seca. 

 

 

Publicado, 26.03.2021 em https://www.jornaldepatos.com.br/2021/03/requiem-para-wandao.html

 

 

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